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2:24 PM
VÍDEOS REVELAM ESQUEMA DE COMPRA DE VOTOS EM MUNICÍPIOS BAIANOS
Apesar das evidências contidas nas gravações em
vídeo que revelaram um esquema de compra e venda de votos em Itajuípe,
Sul do estado, tudo leva a crer que os deputados Félix Mendonça Júnior
(federal) e Paulo Câmera (estadual), ambos eleitos pelo PDT, vão
assumir os cargos nos dias 1º e 2 de fevereiro, respectivamente.
Hoje faz 100 dias que o CORREIO denunciou o
esquema, ocorrido em União Queimada, distrito de Itajuípe. Os dois
políticos, acusados de envolvimento na negociação que comprou dezenas
de votos de moradores por R$ 50 cada, não podem receber qualquer
punição antes da finalização do processo. Ainda em investigação pela
Polícia Federal (PF), o inquérito está longe de ser concluído.
Até hoje, os deputados sequer foram ouvidos. Depois
de passar o mês de dezembro de férias, a delegada responsável pelo
caso, Lívia Drumond, se dispõe a dar poucas informações sobre o
assunto. Apenas admite que já intimou e ouviu alguns acusados, mas não
revela quantos ou quais deles prestaram depoimento. "O que posso dizer
é que não ouvimos os políticos ainda. Mas vamos intimá-los, claro”.
Possivelmente, a PF ouviu correligionários acusados
de cooptar eleitores, e os próprios eleitores que venderam seus votos.
O conteúdo das oitivas, que poderiam confirmar a ligação entre os
políticos e os acusados de comprar diretamente os votos, também é
mantido em sigilo. "Não posso dar essas informações”.
Adiantamentos O que a delegada não tem
problema em dizer é que pediu o adiamento do prazo para finalizar o
inquérito. Remeteu o processo para a Procuradoria Regional Eleitoral
(PRE) do Ministério Público Federal (MPF), que concedeu a prorrogação.
"Vamos pedir prazo o quanto for necessário. Se o processo voltar e a
gente não conseguir, a gente pede de novo. Estamos com uma demanda
muito grande, como sempre”, justificou.
O MPF informou que o prazo inicial para a polícia
concluir o inquérito era de 30 dias, mas o órgão não soube dizer de
quanto tempo foi a prorrogação. Isso porque o processo sequer foi
localizado. A justificativa é de que o procurador Sidney Madruga,
responsável pelo caso, está de férias.
Na prática, informou a mesma assessoria, o
adiamento pode realmente acontecer quantas vezes forem necessárias ou
pelo menos até a prescrição do delito, que, segundo o Código do
Processo Penal, para os casos de compra de votos é de 12 anos.
O esquema Em 13 de outubro do ano
passado, o CORREIO publicou imagens de gravações que mostram cabos
eleitorais dos então candidatos Félix Júnior e Paulo Câmera comprando
dezenas de votos de moradores nas eleições de 3 de outubro. Cada
"confirma” era comprado por R$ 50.
No vídeo, registrado com câmera oculta, os votos
são negociados por dois homens da região identificados como Reinaldo
Félix, o Nadinho, e Orlandy Santos de Almeida, o Tafarel. Ambos
aparecem como responsáveis por cooptar, agenciar e pagar os eleitores.
"É esse aqui, ó. É 12.580 Paulo Câmera, e 1.234
Félix Júnior. Aqui cada um consegue dois votos. Eu dou R$ 50 pra votar
e ele consegue um da família”, aponta Tafarel, num dos trechos da
gravação. Nadinho, por sua vez, usou a própria casa como
quartel-general do esquema.
"Foi passado (sic) pra mim 30 pessoas pra
‘trabalhar’. Pagar R$ 50 hoje após encerrar a votação. Tô aqui com a
numeração de todos os títulos. A gente tá fazendo um trabalho sério,
sem ‘molequeira’. O investimento do deputado é alto”, avisou, pedindo
para que cada um assinasse uma espécie de recibo.
Há ainda
outra pessoa envolvida. Uma mulher identificada como Chirlei Sena dos
Santos, a coordenadora da 68ª Seção Eleitoral, a única seção de União
Queimada. Chirlei conhece a lista dos que receberam dinheiro e tem o
papel de fiscalizar. "Eu tô lá de olho. Tem pessoas com dificuldade de
digitar e ficam lerdando”.
Feira Livre Por telefone, o CORREIO
tentou insistentemente falar com Nadinho, Tafarel e Chirlei, mas nenhum
deles atendeu as ligações. Tafarel, que havia deixado Itajuípe depois
das denúncias, retornou à cidade. "Já está por aqui. Outro dia o
encontrei na feira”, entregou o próprio prefeito de Itajuípe e opositor
na região, Marcos Barreto Dantas (PP).
Diante de tanto tempo sem que alguém seja punido, o
prefeito diz que população, lideranças da região e políticos estão sem
confiança na polícia e na Justiça. "A coisa esfriou por aqui. A
população está desacreditada. Mas eu ainda tenho esperança de que os
culpados sejam punidos”, afirmou o prefeito.
Os comparsas
Nadinho:
morador de União Queimada responsável por agenciar, listar e pagar
eleitores. Usou sua casa como quartel-general da compra de votos. Fez
com que cada eleitor assinasse uma espécie de recibo ao receber os R$
50.
Tafarel: morador de Itajuípe, foi enviado à
localidade para fiscalizar o "trabalho” de compra de votos. Com ele
também estava o dinheiro entregue a Nadinho. Tafarel também pagou
diretamente a eleitores. Chirlei: Coordenadora
da 68ª Seção Eleitoral, foi escolhida para orientar e garantir que os
eleitores cooptados realmente votassem nos candidatos. Chirlei
conseguiu até ter acesso ao Boletim de Urna, uma espécie de extrato
onde são registrados os votos.
Deputados foram diplomados normalmente Mesmo
após a divulgação das gravações pelo CORREIO, os candidatos Félix
Júnior e Paulo Câmera terminaram diplomados no dia 16 de dezembro, em
solenidade realizada no Centro de Convenções da Bahia (CAB).
A diplomação é o ato pelo qual a Justiça Eleitoral
habilita os eleitos a tomar posse para o exercício do mandato eletivo
conquistado nas urnas em outubro passado. É a última etapa do processo
eleitoral. A posse propriamente dita, na Assembleia Legislativa, só
ocorre em 2 de fevereiro, um dia depois de os eleitos entregarem seus
diplomas na Assembleia.
No dia 15 de fevereiro, os trabalhos da Casa serão
reabertos. Ontem, Paulo Câmera disse que aguarda tranquilamente o dia
em que tomará posse de um cargo na Assembleia pela quarta vez em sua
trajetória política.
"Nada mudou em relação a isso. Não prestei qualquer
depoimento. Fui diplomado normalmente e estarei lá no dia 2”, declarou.
A assessoria de Félix Júnior disse que o deputado eleito foi diplomado,
espera pela posse, tem interesse no esclarecimento dos fatos e aguarda
o fim das investigações relacionadas ao esquema de compra de votos
flagrado nas gravações.
Novos vídeos e mais municípios Não
há dinheiro que pague o preço de um voto. Dinheiro talvez não, mas quem
sabe um exame oftalmológico, alguns sacos de cimento ou até uma
ultrassonografia vaginal? Após denunciar a compra de votos em Itajuípe,
o CORREIO teve acesso a novas gravações que revelam outra faceta do
esquema.
Dessa vez, o dinheiro é substituído por
assistencialismo. No novo vídeo, eleitores e líderes comunitários de
vários municípios do interior confirmam um escambo eleitoral envolvendo
o mesmo Félix Júnior, agora sem Paulo Câmera. As gravações
envolvem uma lista de municípios: Itabuna, Ibitita, João Dourado, Mundo
Novo, Jacobina, Uibai e Una. Em todos, flagrantes da perigosa mistura
entre assistência social e eleições.
Em
Itabuna, por exemplo, o líder comunitário Antônio Félix Nascimento,
conhecido como Piçarra, é cabo eleitoral da campanha de Félix Júnior.
Mas, para os moradores da cidade, Piçarra é um intermediário. É através
dele que os eleitores têm acesso a centenas de exames médicos, cascalho
para construção, cestas básicas e até agilização de processos de
aposentadoria. "O exame de vista aqui em Itabuna é R$ 60, mas a gente
já conseguiu uns 400.
Tudo eleitor de confiança nosso. Tudo
marcado na policlínica. É ultrassonografia vaginal, eletrocardiograma”,
entrega Piçarra no vídeo. Em outro momento, acreditando que era
entrevistado por enviados de Félix Júnior para fiscalizar a campanha,
Piçarra aparece distribuindo pedidos de exames. A quantidade de
requisições mostra o bom acesso de Piçarra à policlínica da cidade.
"Essas duas aqui são eleitoras de Félix Júnior. Tinham uma carência de
um exame de vista. Fui, corri atrás, pedi junto à policlínica e taí ela
sendo beneficiada”.
Os eleitores confirmam o recebimento da
"ajuda”, motivo suficiente para votar no candidato. Caso de Elizângela
Bispo dos Santos. "Tem pra mim, meu filho, esposo, para a vizinha lá e
os dois filhos dela. Não tinha condição de pagar. Vim a Piçarra e ele
conseguiu através de Félix Júnior. Vou votar nele”.
As atribuições de Piçarra são camufladas de
trabalho social no bairro Fonseca, na periferia de Itabuna. O CORREIO
tentou falar com Piçarra durante todo o dia de ontem, mas ele não
atendeu.
Nas gravações, um homem que se diz liderança política
na região critica a prática de compra de votos. "Isso virou um vício em
Itabuna. Pegam as lideranças e dão ‘X’ pra cada um. Oficializaram a
compra de votos. Deputado sem dinheiro não vai pra lugar nenhum”.
Enquanto
isso, Piçarra admite que já foi candidato a vereador. "Tive 2.060 na
última eleição. Tem sete vereadores na Câmara com menos votos. A
legenda minha foi fraca. Ficou faltando 28 votos”.
Nos demais
municípios, há diversas declarações de eleitores que garantem votar em
Félix Júnior em troca de exames, cestas básicas e até um "dinheirinho
pra comprar remédio”. "Eu e minha família vamos votar em Félix, porque
ele me deu cesta básica e dinheiro para pagar minha conta de luz e
água”, disse uma senhora que se apresentou como Marinalva, em Uibaí.
Em
Mundo Novo, no Alto do Bonito, o líder comunitário Adriano Ribeiro
afirma nas imagens que Félix contribuiu com sacos de cimento e
encanamento para uma obra. Também credita a ele a construção de quadra
e de parque para crianças.