Conta o poeta grego Homero que o herói Odisseu precisou amarrar-se ao
mastro de seu navio para passar pelas sereias. Elas usavam a beleza e
o charme de seus cantos para atrair os navegadores e fazê-los colidir
contra os rochedos. Isso, conta a Odisseia, teria acontecido há mais de 3
mil anos, na Guerra de Troia.Hoje, aqui mesmo, em Salvador, cada taxista é, antes
de tudo, um Odisseu. Que precisa ficar alerta para as mulheres que vêm
sendo usadas para atrair taxistas para corridas que acabam em assalto. E
em Itapuã, onde o taxista Adilson Vieira de Souza foi morto no domingo -
e onde, aliás, a famosa sereia do escultor Mário Cravo não nos deixa
esquecer sua lenda - a prática é recorrente.Experiente taxista
que trabalha no bairro há mais de 20 anos, Jorge José Ribeiro, 61, foi
atraído por uma delas e acabou tendo R$ 600 roubados. "Chegou uma mulher
- na verdade soube depois que era uma menina de 16 anos - pedindo uma
corrida para Colina Azul. Quando cheguei lá, tinha três caras (dois
armados com faca e revólver) que me roubaram todo o dinheiro que tinha
feito em dois dias de trabalho no Carnaval”, lamenta Ribeiro.
O presidente da Associação Metropolitana dos
Taxistas, Valdeilson Miguel Santos, argumenta que na maioria dos
assaltos as mulheres fazem articulações com os bandidos para atrair os
motoristas para locais isolados na cidade.
"Não precisa pensar
duas vezes para responder qual a principal estratégia dos bandidos. Eles
sempre usam mulheres bonitas, que despertam menos desconfiança”,
explica Santos, que representa entidade com mil associados, dos 7.200
taxistas que rodam na capital baiana.
O taxista Adriano Reis conta que entre Itapuã e
Patamares, e em outros pontos da cidade com grandes hotéis, as mulheres
usam outro artifício. "Elas dizem que a corrida é delas sozinha e de uma
hora para outra dizem para passar na frente do hotel para pegar um
amigo. Pensamos que é um hóspede do hotel, mas é uma enrascada”,
comenta. "Depois, se você volta no hotel para dar a descrição do cara,
leva com os burros n’água porque ninguém conhece o cara”, completa.
Em
Itapuã, as mulheres pegam seus comparsas até em frente à 12ª Delegacia.
"Ninguém nunca vai imaginar que um assaltante fique esperando a vítima
na porta da delegacia. Nos três pontos de Itapuã não tem um taxista que
não tenha sido roubado”, conta um motorista de táxi que prefere não se
identificar.
Outros pontos O presidente do Sindicato
dos Taxistas de Salvador, Carlos Assanhaço, destaca que o golpe é
aplicado em vários pontos da cidade. A tática dos bandidos é atrair os
motoristas de táxi para locais da cidade onde há ruas estreitas, que
dificultem a fuga e que tenha pouca circulação policial. "É uma prática
recorrente, mas a situação de insegurança entre os taxistas é na cidade
toda. Estamos entregues”, reclama. A Polícia Civil informou que
não tem dados sobre locais e número de assaltos aos taxistas. Mas,
profissionais ouvidos pelo CORREIO apontaram alguns bairros como de
principal ocorrência desse tipo de delito (confira no mapa abaixo). Sinoval Santos Araújo, que no domingo quase foi
vítima de dois assaltantes que mataram um taxista de Itapuã, conta que
no final do ano passado foi roubado por ladrões que o fizeram circular
por vários pontos da cidade. "Me arrastaram para várias regiões de
Salvador com arma na cabeça exigindo dinheiro. Foi um pânico”, relembra.
André Marinho, que trabalha como taxista faz 18
anos, é uma exceção: nunca foi assaltado. Mas, para conseguir essa
façanha, busca estratégias. "Só pego corrida através do sistema de rádio
e não trabalho depois das 19h com medo”. Odisseu, ajudado por deuses, conseguiu voltar para casa no fim da guerra. Os taxistas vivem essa batalha todo dia.
Categoria quer delegacia especializada Depois
do assassinato do taxista Adilson Vieira de Souza, no domingo, uma
comissão de taxistas solicitou ao delegado-chefe adjunto da Polícia
Civil, Bernardino Brito, a criação de uma delegacia especializada para
crimes contra taxistas. "Quando um taxista é assaltado e vai numa
delegacia é tratado como cachorro. Se tivesse uma delegacia só para
casos de taxistas seria muito melhor”, defende o presidente do Sindicato
dos Taxistas de Salvador, Carlos Assanhaço. Ele destaca que a criação
de núcleo especializado para lidar com crimes dessa natureza poderia
diminuir as ocorrências. "Hoje o taxista só registra queixa quando o
carro é roubado porque, se for para uma delegacia normal, vai ficar
horas esperando e o taxista vive do tempo. Além disso, uma delegacia
especializada indica que vai ter um grupo de policiais investigando a
fundo os casos envolvendo taxistas”, diz Assanhaço. A Polícia Civil
informou que vai colocar em discussão a criação do núcleo especial, mas
não informou prazos. Brito informou que encaminhará a reivindicação ao
delegado-chefe, Hélio Jorge, e ao Departamento de Polícia Metropolitana
(Depom). A investigação da morte do taxista Adilson de Souza, encontrado
morto no CIA, no domingo, está a cargo do Departamento de Homicídios e
Proteção à Pessoa (DHPP). Ontem, foram ouvidas algumas testemunhas
relacionadas ao caso. Foram solicitadas imagens de radares da Estrada
CIA-Aeroporto que podem ter captado através do pedágio imagens dos
ladrões.
Fonte: Correio
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