O Hospital Aristides Maltez, único especializado em tratamento de câncer pelo SUS na Bahia e que, segundo a direção, corre risco de fechar por falta de recursos municipais,
pode ser adequado à Portaria 3.024, do Ministério da Saúde (MS), que
prevê incremento de 20% no orçamento para os hospitais filantrópicos que
atendem exclusivamente pelo serviço público. Para isso, o Ministério
aguarda o envio da documentação pendente por parte da Secretaria
Municipal de Saúde de Salvador, segundo o órgão informou ao G1.
O estudo para solicitar o aumento das verbas deve ser enviado à pasta
do governo federal na sexta-feira (2), é o que diz o secretário Gilberto
José. "Enviaremos ainda na manhã desta sexta o estudo, que foi
solicitado pelo próprio Ministério, depois de saber da situação do
hospital", afirma. José acredita que a situação não será agravada a
ponto da suspensão do serviço, mas prefere não estipular prazos. A crise foi gerada depois que a Liga Bahiana Contra o Câncer, que
administra a unidade de saúde, se recusou a assinar novo contrato
proposto pela secretaria. "Além de [o contrato] não citar as dívidas já
pendentes, ele prevê uma verba mensal de cerca de R$ 6,294 milhões,
quando nós precisamos de R$ 7,600 milhões para manter o hospital
funcionando", diz o diretor Aristides Maltez Filho. O custo adicional é
decorrente da demanda crescente atendida pelo hospital e que tem sido
rebatido pela secretaria. "Sim, temos mais pacientes todos os dias,
meses, anos. Mas eu vou negar o tratamento a uma vítima do câncer que
chegar em nosso hospital? Vou devolver ele para onde?", questiona
Maltez
Por outro lado, a secretaria pontua que a quantidade atual de pacientes
não está prevista em contrato, o que Gilberto José chama de
"extra-teto", em termos orçamentários. "Sabemos e temos a sensibilidade
para entender que não se deve negar atendimento a nenhum paciente, mas
nós temos uma verba para repassar que, se o número de pacientes aumenta,
nós não teremos dinheiro para suprir", avalia.
O Hospital Aristides Maltez fez 9,5 mil cirurgias em 2011, atendeu a
11.400 mil pessoas, com 169 mil aplicações de radioterapia, em 21.200
mil ciclos de quimioterapia. Trabalham no local 143 médicos e outros 943
funcionários. Os dados são da administração da instituição
filantrópica, que é financiada com verbas federais, municipais e por
doações de voluntários.
Direito à saúde
Para o advogado e diretor da Faculdade de Direito da Universidade
Federal da Bahia (UFBA), Celso Castro, o direito à saúde, como direito
fundamental e princípio constitucional, é soberano a qualquer ditame
orçamentário. "É direito do cidadão a saúde e é dever do estado
protegê-lo. As decisões judiciais têm considerado a questão da saúde
independentemente da disponibilidade de verba, inclusive da Lei de
Responsabilidade Fiscal, porque ela está abaixo da Constituição", afirma
o professor.
Nesse sentido, Celso Castro adiciona que infrigir o que prevê a
Constituição é violar o direito à vida. "Há uma escala de direitos e
valores na Constituição, entre os quais, o mais importante é a vida. Não
há nenhuma lei ou orçamento que se sobreponha. Meio sacárstico, falo
que, se já há verba para a Copa do Mundo, como não haver para a saúde? O
problema é que, no Brasil, a Constituição nunca se cumpre, lei
fundamental raramente", explica.
Dívidas
Os R$ 13 milhões em dívidas seriam aplicados na manutenção mensal da
unidade. Do total, cerca de R$ 2,395 milhões já possuem fatura impressa e
aguarda o pagamento. "A secretaria admite que a fatura está na mesa do
secretário, mas, segundo eles, não podem pagar. Se pelo menos essa
dívida dos R$ 2 milhões não for sanada em até 30 dias, nós não teremos
condições de manter esta unidade funcionando e fecharemos as portas",
diz Maltez.
José afirma que o problema que o Aristides Maltez enfrenta hoje não é
restrito a uma unidade, mas a todo o sistema público de saúde da
capital. "Desde 2010 que nós tentamos juntamente ao Ministério da Saúde o
aumento do teto orçamentário. O Ministério sempre afirma que não há
verbas para suprir aquilo que as unidades da capital precisam e nosso
déficit hoje já está em quatro milhões ao mês", argumenta. Atualmente, o
orçamento mensal da secretaria está em cerca de R$ 18 milhões,
destinado pelo MS. Segundo o secretário, o recurso ideal seria em torno
de R$ 24 milhões. "Se o nosso teto aumenta, vamos repassar aos hospitais
e aos postos de saúde. A situação deve ser regularizada", acredita
José.
Ainda segundo o diretor Maltez Filho, a cura do câncer depende do
diagnóstico e tratamento rápidos, o que deveria ser alvo de prioridade
da prefeitura. "O que a secretaria não entende é que estamos lidando
aqui com pessoas portadoras de câncer, uma doença que é totalmente
curável, desde que seja diagnosticada e tratada em tempo, ou seja, se eu
não atendo meu paciente com o tempo que o tratamento requer, eu posso
perdê-lo para uma doença, repito, curável, mas que pode matar se não
formos rápidos", salienta Maltez. |