No primeiro dia de julgamento de 26 policiais envolvidos no caso que
ficou conhecido como massacre do Carandiru, o ex-detento Marco Antonio de Moura
afirmou à Justiça que tem fresco na memória o que ocorreu no dia 2 de outubro
de 1992 na Casa de Detenção de São Paulo. Na ocasião, 111 presos foram mortos
após uma briga entre criminosos e a invasão da Polícia Militar ao pavilhão 9,
local em que estavam mais de 2 mil presos naquela tarde.
"Passaram 21 anos. Para mim foi como se fosse ontem", disse
ele, que levou um tiro no pé na ocasião. De acordo com o sobrevivente, os
policiais já entraram no presídio atirando contra os presos. "Quando
deixamos o pavilhão, para ir para o pátio, eles gritavam: ´Deus cria, a Rota
mata. Viva o choque´".
Moura estava no segundo pavimento do pavilhão 9, onde o processo relata
que 15 detentos morreram. Por conta dessas mortes, 26 policiais são julgados no
Fórum da Barra Funda a partir desta segunda-feira. O júri popular deve se
estender pelo menos até o início da próxima semana - seis homens e uma mulher
compõem o conselho de sentença, que decidirá o destino dos réus.
O ex-detento afirma que não se tratava de uma rebelião e que a
intervenção da polícia era desnecessária. "Não era rebelião. Era um acerto
de contas entre bandidos", afirmou.
O sobrevivente afirma que, ao perceber que a Polícia Militar iria
invadir o local, previu o pior. "Nós vamos apanhar demais. É deles fazer
corredor polonês e bater em você.", contou. Ele nega que os detentos
tenham tentado enfrentar os policiais. "Não tem como enfrentar policial
armado até o dente. Quem tinha faca entregou. Ao perceber os disparos nas
galerias do presídio, ele disse que a situação era mais séria do que ele
pensava. "Foram muitos tiros, não era comum".
Moura, que foi preso por roubo (simulando estar
armado) e respondeu por uma tentativa de homicídio (que foi arquivada por falta
de provas), conta como levou o tiro no pé. "Havia umas 30 pessoas dentro
da minha cela. Na correria, começou a entrar um monte de gente. Em um determinado
momento, o policial pôs a cara no guichê (espécie de janelinha na porta da
cela) e foi muito disparo", disse ele. Entre as rajadas de metralhadoras
em seu andar, ele disse que o que mais ouvia eram gritos de "pelo amor de
Deus".
Perguntado pelo juiz se reconheceria algum policial que participou da
operação, ele foi direto. "Não tenho vontade de olhar para a cara de
nenhum deles. Só lembro que tinha um de olho azul". O detento disse ainda
se recordar que tiros foram disparados por policiais que estavam sobre um
helicóptero, que sobrevoava o pavilhão. "Eu dei sorte. Eu ia subir no
telhado. Mas se tivesse subido, teria morrido".
Preso inicialmente em 1988, ele deixou o sistema carcerário em 1994 e,
segundo ele, desde então trabalha com "carteira assinada" e não teve
mais nenhum problema com a Justiça. É casado e tem três filhos. Moura foi a
segunda testemunha de acusação a depor no primeiro julgamento dos policiais
acusados de homicídio - os demais júris ocorrerão ainda em 2013, já que o caso
foi desmembrado devido ao grande número de réus. Ao todo, 23 testemunhas foram
convocadas para depor pela defesa e pelo Ministério Público. Fonte: Portal Terra |