A empregada doméstica Luzia Santos de Jesus, 58 anos, depende do
salário para pagar aluguel, luz, água e compras do mês, além de enviar parte do
que ganha para o interior, onde vivem os três filhos. Durante dois meses, Luzia
sofreu para não atrasar as contas e continuar ajudando a família. O motivo? Ela
foi demitida em março por conta da aprovação da Emenda Constitucional 72, a PEC
das Domésticas.
"Em uns pontos, a PEC foi boa, em outros, ruim.
Tanta mãe de família precisando trabalhar e aparece isso. Eu passei dois meses
sem emprego. Já tava agoniada”, conta a doméstica, que já conseguiu outro
emprego. Segundo ela, sua patroa a demitiu logo que soube da aprovação da nova
lei, que garante 16 novos direitos aos domésticos.
De acordo com a presidente do Sindicato das Empregadas
Domésticas da Bahia, Cleusa Santos, o número de homologações realizadas em maio
no estado foi 25% maior do que a média de meses anteriores à aprovação da
emenda, que passou a valer no início de abril.
A sindicalista afirma que a média mensal era de 20 contratos
homologados antes da PEC e, em maio, foram 25. Uma das domésticas demitidas nesse
mês foi Alessandra Pinto Borges, 25. "Quando foi aprovada, fui logo passada pra
rua. Dizem que (a PEC) veio para o melhor, mas agora é que o patrão vai pisar
na gente que nem barata. Já aumentou a cobrança”, relata Alessandra.
Ela ia completar quatro meses na casa em que trabalhava. "Foi
uma surpresa saber que ia ficar desempregada”. A solução para Alessandra foi
mudar de ramo. Depois de um mês sem trabalho, ela foi contratada como copeira
no Shopping Iguatemi no início de maio. "Não quero mais continuar como
doméstica”, afirma.
Oficialização
Para a presidente do sindicato, o aumento nas
demissões não é preocupante. "Não foi tão alarmante. Teve uma demissão, por
exemplo, que o empregador tinha uma empregada há dez anos sem recolher o INSS.
O patrão demitiu, pagou o que devia e a recontratou com todos os direitos”,
exemplifica. Segundo ela, a maioria das demissões ocorre para oficializar os
direitos do trabalhador.
Cleusa conta também que empregados e empregadores
têm procurado o sindicato para tirar dúvidas sobre a PEC e, assim, respeitar as
novas regras. "A gente costuma atender entre 30 e 35 pessoas por dia. Em um
primeiro momento, chegamos a atender 50 pessoas. Elas iam lá buscar informações
(sobre a emenda)”, diz Cleusa.
A advogada trabalhista Ariadne Santana também é procurada para
dar orientações a patrões e funcionários. Muitas das questões que Ariadne
responde, no entanto, são sobre o processo demissional. "Houve um aumento
significativo de demissões e muitas empregadoras não têm o cuidado de pagar o
aviso prévio indenizado. A empregada é demitida e não volta pra receber (a
indenização)”. A rescisão deve ser paga em 10 dias e o aviso prévio tem
que ser dado por escrito”.
Ariadne estima que o volume de processos referentes à Justiça do Trabalho que
chegam no escritório em que trabalha aumentou em 60% depois da aprovação da
emenda constitucional.
Demanda
Para o procurador Alberto Balazeiro, do Ministério
Público do Trabalho, as demissões dos trabalhadores residenciais deverão
aumentar ainda mais quando os domésticos passarem a ter direito ao Fundo de
Garantia do Tempo de Serviço (FGTS). "O acréscimo maior deve surgir quando o
direito ao FGTS entrar em vigor”. Mesmo assim, o procurador considera que a
emenda foi um avanço para a classe.
Coordenador do Observatório do Trabalho da Bahia,
órgão da Secretaria do Trabalho, Emprego, Renda e Esporte (Setre), Frederico
Fernandes concorda com Balazeiro. Ele lembra que a emenda busca equiparar a
situação dos domésticos com a condição de todos os celetistas – os empregados
que estão inclusos na Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT). Para ele, a
defasagem de direitos é um sinal de que a relação entre patrões e empregados
domésticos ainda mantém traços da escravidão.
Diaristas Se Balazeiro e Fernandes consideram a emenda
positiva por conceder aos domésticos os direitos que o restante da classe
trabalhadora já tinha acesso, a diarista Marilúcia Rocha, 33, fica satisfeita
por outra razão. Antes da PEC, Marilúcia trabalhava apenas três dias por semana,
mas, com a lei, surgiram novas oportunidades e a diarista dobrou o volume
de trabalho.
"Agora, só folgo uma vez por semana. Para mim, a lei foi uma
coisa boa, pois graças a Deus eu não fico mais parada como diarista. Tenho
trabalho todos os dias”. Os diaristas só podem trabalhar até dois dias na mesma
residência para não se enquadrar na classe dos domésticos.
O fenômeno da troca do empregado
doméstico pelo diarista não é recente. De acordo com dados de 2001 e 2011 da
Pesquisa Anual por Amostragem de Domicílio (Pnad), do Instituto Brasileiro de
Geografia e Estatística (IBGE), a proporção de pessoas que trabalham em mais de
uma residência – considerando domésticos e diaristas – aumentou de 18% para 30%
em dez anos. Colaboraram Joice Vieira e Miriane Silva.
Sete em cada dez domésticos não têm acesso a novos direitos
Em todo o país, 69,3% dos 6,65 milhões de
trabalhadores residenciais não têm carteira assinada e não terão acesso aos
novos direitos. No Nordeste, o índice é ainda maior: 83,4% dos domésticos permanecem
na informalidade. Na região, os domésticos recebem a pior remuneração do país.
A média salarial da região para os domésticos com carteira assinada é de R$ 594.
Já os informais recebem, em média, R$ 285. Para diminuir o
número de trabalhadores que não têm carteira assinada foi realizada em
Salvador, há duas semanas, a 1ª Oficina de Diálogo Social do Piloto de Emprego
Doméstico, uma ação do Observatório do Trabalho da Bahia, órgão da Secretaria
do Trabalho, Emprego, Renda e Esporte (Setre) com o Departamento Intersindical
de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese). A Bahia foi escolhida para o
projeto justamente por ter grande número de domésticos sem carteira assinada.
PEC diminuirá trabalho doméstico infantil, diz ONG Repórter
Brasil
A ONG Repórter Brasil apresentou este mês o relatório Brasil
Livre de Trabalho Infantil: o Debate sobre as Estratégias para Eliminar a
Exploração de Crianças e Adolescentes. Entre os principais problemas apontados
pelo estudo está o trabalho de crianças e adolescentes como domésticos. Fonte: Correio |