Eis
que surge um novo motivo para a sambista Beth Carvalho entoar os versos de
"Saco de Feijão". Aqueles que falam sobre o "embrulhinho"
que lhe custou "um saco de dinheiro". De janeiro a maio
deste ano, o feijão registrou inflação acumulada de quase 35%, segundo o IPCA
(Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo), contra 2,9% do índice geral.
Só o carioca, o mais consumido no país, teve aumento de 44%. Mesmo com os
preços em disparada, os dados disponíveis mais recentes indicam que o grão não
perdeu espaço nas compras dos brasileiros nos últimos meses. Se
não há números oficiais que acompanhem o consumo do ingrediente no país, uma
das maiores redes de supermercados do Brasil declara que o consumo
está estável, apesar do preço (R$ 7 o quilo do carioca, em média). Nas 555
lojas, espalhadas por 18 Estados, da rede Walmart (terceira maior do país em
faturamento), a quantidade vendida permaneceu igual de janeiro a maio
deste ano em comparação com o mesmo período do ano passado. No Sudeste, foi
registrado até aumento de 9% na venda de feijão.
As
redes Pão de Açúcar e Carrefour não divulgaram números de venda. "É
um produto de difícil substituição. As pessoas sofrem para pagar, mas continuam
comprando", avalia Alcido Wander, pesquisador do produto na Embrapa
(Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária). Para além do gosto, o papel
do feijão na alimentação diária é cultural. "É um prato identitário. Basta
ver que é uma das primeiras comidas que a gente dá para os nossos filhos",
diz a antropóloga Paula Pinto e Silva, autora do livro "Farinha, Feijão e
Carne-seca" (editora Senac SP). A alta no preço do produto é reflexo
de uma safra pequena, prejudicada, em diferentes regiões do país, por fatores
climáticos, pragas e menor área plantada -no ano passado, foi a menor em
duas décadas. Em função da valorização da soja e do milho no mercado
internacional, produtores optaram por essas culturas em detrimento do
feijão. A previsão, no entanto, é de que o preço caia a partir de agosto,
com a chegada da nova safra.
O
PREFERIDO:
A
preferência da maioria dos brasileiros pelo feijão-carioca, que representa
cerca de 85% do mercado, contribui para que o preço dispare em momentos de
safra reduzida, como o atual. "É o grão preferido pelo consumidor. Do
ponto de vista dos preços, é uma armadilha estarmos presos a essa
variedade", diz Alcido Wander, pesquisador da Embrapa. Preferido nas
lavouras por ser mais resistente a pragas, o carioca conquistou também espaço
nas mesas em função do seu cozimento fácil (em média, 20 minutos na panela de
pressão). Além disso, sua casca fina, que produz caldo de espessura média,
tende a agradar mais paladares. "Os grãos são porosos, hidratam com
facilidade na hora do cozimento", explica Alisson Chiorato, pesquisador do
IAC (Instituto Agronômico de Campinas). A variedade foi descoberta por
acaso pelo IAC em 1970 em uma fazenda do interior paulista. É plantada e
consumida só no Brasil. É diferente do feijão-preto, por exemplo, que é
importado facilmente da China e da Argentina para suprir a demanda nacional
(cerca de 10% do mercado de feijões). No caso do "carioquinha",
que, aliás, não faz jus ao apelido já que no Rio perde para o preto em
preferência, não há a alternativa de importar. O nome dessa variedade foi
dado em função da raça de porcos carioca, que era criada na fazenda onde se
descobriu o grão. Com listras, como esses animais, o feijão foi batizado assim.
DUPLA
NACIONAL: Hoje enraizada no cardápio do brasileiro, a dupla arroz com
feijão se formou a partir da chegada da corte portuguesa ao país, em
1808. "O arroz, que já era um hábito português, foi incluído na
alimentação das tropas e se espalhou pelo Rio de Janeiro", explica o
sociólogo Carlos Alberto Dória. Antes, o feijão era comido com farinha. A
pesquisadora Paula Pinto e Silva conta que há relatos de colonizadores do século
17 que indicam que os indígenas já usavam vários tipos de feijão. Em
produções modestas, a diversidade segue. Para além do domínio do carioca e do
preto, ainda são consumidas, especialmente no meio rural, variedades -muitas
vezes, nem catalogadas- que preservam os sabores regionais. "Mas boa
parte desses tipos não passa pelo comércio. As grandes redes de supermercado
não apresentam mais que dez, em média", diz Dória, que já pesquisou as
opções disponíveis nas centrais de abastecimento das grandes redes. Para
ele, apesar de pouco expressivas em quantidade de produção, as variedades
resistem em função do seu papel social. "O feijão funciona como uma
bússola social. Situa a gente no ambiente familiar, na nossa região",
diz. Entusiasta da diversidade de feijões, a chef Morena Leite serve
feijão tropeiro com quatro grãos (vermelho, verde, preto e de corda) no bufê do
restaurante Capim Santo, em São Paulo. "A gente tem que aprender a
brincar com os tipos para fazer novas receitas", diz ela que, no lugar de
embutidos como bacon e linguiça, coloca polvo, lula e camarão no prato. Fonte: Voz da Bahia
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