Policiais militares da Bahia se
infiltraram nas redes sociais depois das manifestações nacionais nas últimas
semanas, e estão participando clandestinamente de reuniões dos grupos que
organizaram as passeatas na Bahia, na semana passada, filmando e fotografando
pessoas identificadas como "lideranças”.
A revelação foi feita em entrevista por
um capitão da PM baiana há duas semanas na Academia da Polícia Militar, onde
acontecem os cursos de formação para policiais civis e militares para a Copa de
2014. Embora afirme considerar esse tipo de operação "normal”, o oficial pediu
para que seu nome não fosse revelado pela reportagem por temer punições do
comando da corporação. As informações foram confirmadas e detalhadas ontem,
dessa vez em entrevista realizada por telefone.
Segundo o capitão, o acompanhamento dos
movimentos pela Coordenadoria de Missões Especiais (CME), a central de
inteligência da PM, na Bahia, começou a ser realizado antes mesmo do primeiro
protesto em Salvador, dia 17 de junho. A essa altura, as manifestações já
eclodiam pelo país, e a inteligência da PM passou a vigiar a troca de
informações pelo Twitter e, principalmente, pelo Facebook. Agentes criaram
perfis falsos e se inseriram em comunidades com objetivo de obter informações
sobre os eventos marcados, os locais das reuniões preparatórias, o trajeto das
passeatas e para identificar os possíveis líderes.
"A gente busca saber quem é o líder,
porque se ele for neutralizado o movimento perde a cabeça. Isso é estratégia
militar para qualquer situação do gênero: a gente identifica para ter noção de
espaço, coordenação, de norte”, explica o oficial da PM.
Nos protestos de hoje, diz ele, os
líderes não se apresentam, o que dificulta a atuação da PM. "A gente busca
informações até para subsidiar as negociações, mas há uma certa dificuldade. O perfil
do líder pode surgir tanto nos comentários nas redes como nas reuniões.
Monitoramos também as pessoas que estão à sua volta, porque é normal, se algo
acontecer com aquele líder, ter um outro para assumir. Tem que identificar a
segunda cabeça e verificar se tem uma organização pensante”, diz.
Outros alvos de atenção são definidos
através de "bandeiras sociais”, "dos partidos políticos” a que pertencem e pela
atitude dos manifestantes, "se as pessoas estão escondendo o rosto, ou se
declaradamente se apresentam e como agem”, detalha.
Com os dados e fotos levantados pelos
infiltrados, um grupo específico de policiais, via de regra oficiais da PM, faz
a "análise técnica” para planejar as ações na hora do conflito, ele explica:
"Hoje no Brasil não existe possibilidade de prisão para averiguação. Então, o
que fazemos é dar corda para essas pessoas que identificamos como suspeitas. O
infiltrado sugere algo, a liderança não acata, pode também incitar atos. A
ideia é esperar que ela cometa ações previstas em lei, como incitação à
violência, ou outros atos criminosos, gravar e ter, com isso, respaldo jurídico
para a sua responsabilização”, afirma o capitão.
Apesar do monitoramento, o oficial da
PM diz que também eles foram surpreendidos nas últimas manifestações. "Pessoas
atiraram coquetéis molotov contra os policiais. A gente não tem como prever,
como dizer, que ‘esse grupo é radical, então vamos descer madeira’ (partir para
o confronto), mas também é muito raro que a gente identifique a liderança na
hora do conflito. Normalmente, fazemos isso antes, mas nem sempre esse tipo de
radical se manifesta nas redes ou nas reuniões”.
A Polícia Militar prendeu dezenas de
pessoas nas últimas manifestações em Salvador durante a Copa das Confederações.
A primeira, do dia 17/06, convocada pelo Movimento Passe Livre foi mais branda.
Mas a partir do segundo dia de protestos, em 20 de junho, data do jogo Uruguai
e Nigéria, os confrontos se intensificaram, principalmente em Campo Grande e no
entorno da Arena Fonte Nova. Dois dias depois, houve mais violência em Campo
Grande, Vale dos Barris e Iguatemi (Avenida Paralela), no centro financeiro da
cidade. Dezenas de pessoas foram atendidas em hospitais intoxicadas com gás
lacrimogêneo, feridas por balas de borrachas e até com fratura nas pernas.
Entre os feridos, vários jornalistas. Três PMs forçaram ainda o fotógrafo de um
jornal local a apagar as fotos do conflito. Os abusos estão sendo investigados
pelo Ministério Público Estadual da Bahia.
Infiltrados mas manifestações
Os infiltrados da PM atuam não apenas
na investigação prévia da organização das manifestações mas também durante os
eventos, diz o mesmo oficial, referindo-se a esses protestos."Encontramos
vários coquetéis molotov. Fomos descobrindo isso na hora. Até porque, a
manifestação surgiu pacífica. A partir de determinado momento ela foi ganhando
dimensão que não era esperada e passamos a nos atentar mais pra isso. Tanto
que, por conta das informações das reuniões, das pessoas que foram sendo presas
e da possibilidade de serem usados esses mesmos produtos (bombas caseiras) por
manifestantes em outros protestos, começamos a aumentar a segurança no entorno
da Fonte Nova”, afirmou.
O oficial disse ainda que os agentes de
inteligência da PM tentam influenciar os manifestantes. "O infiltrado
tenta, dentro daquela organização, identificar os pacíficos do grupo e
sensibilizá-los para que eles mesmos retirem ou censurem os radicais”. Cita
como exemplo, a postura adotada pelos manifestantes no Rio de Janeiro: "As
pessoas começaram a sentar no chão. Quem tivesse errado ficava em pé. Esses
seriam recriminados pela própria organização, sem a presença da polícia. A PM,
não só da Bahia mas de todo o país, se aproveitou dessa informação para
disseminar isso na rede, porque facilita a identificação de quem é quem naquele
grupo”.
Ele afirmou que, apesar da violência
policial e de considerar normal ações como infiltração, a grande maioria dos
policiais que conhece se posiciona favoravelmente às manifestações. "Muitos
estão expondo suas opiniões pelas redes sociais. Eles querem um país melhor,
estrutura diferente do que está hoje, mas dentro de um respeito, de uma ética.
A grande maioria dos governos não tem atendido os anseios da tropa e ela tem
demonstrado insatisfação. Isso é fato. A gente tem mostrado através do diálogo,
estabelecido cronogramas de ação, tentado discutir de maneira legal, nas
câmaras temáticas, enfim temos buscado um acordo para não chegar ao ponto de
parar o serviço”, alerta.
Ele diz ainda que, na rede, os policiais
militares que criticam o fechamento de ruas foram cobrados por terem feito a
mesma coisa durante a violenta greve dos policiais na Bahia, entre 31 de
janeiro e 11 de fevereiro de 2012. Na ocasião, Salvador tornou-se um cenário de
guerra, com avenidas interditadas por manifestantes, ocupação da Assembleia
Legislativa, queima de ônibus e denúncias de execução ou facilitação da ação de
grupos de extermínio. Das 187 mortes ocorridas nesses 12 dias, a Polícia Civil
atribuiu pelo menos 45 a essas organizações paramilitares.
"Na greve da PM, avenidas foram
fechadas, teve gente que tocou fogo em ônibus e houve pessoas que mataram, mas
aquilo não era um posicionamento oficial do grupo. A dificuldade de você fazer
um movimento como esse é manter o controle. Tem sempre um que vai se infiltrar
e fazer algo que está além do previsto no script. Todas aquelas ações de
incêndio em coletivo, de militares que comprovadamente assassinaram moradores
eles vão responder, tem de ser punidos. A gente não pode usar o erro de alguns
e generalizar. Existem pessoas honestas, que respeitam o direito dos outros e
que precisam também ser ouvidas”, argumenta o oficial. Fonte: Aratu Online |