A popularização dos MP3 players e celulares com a opção de rádio e
música modificou uma série de hábitos entre a população brasileira. Os
fones tornaram-se mais comuns em meio aos adolescentes, mas os mais
velhos também aderiram ao acessório. Tornou-se cada vez mais comum
encontrar pessoas com fones de ouvido nos mais variados ambientes, desde
o transporte público, filas, parques, lanchonetes, restaurantes, enfim,
praticamente todo lugar, incluindo nas calçadas onde um sem número de
pessoas andam para lá e para cá alheios ao mundo. Nada contra o
assessório, nem quanto a ouvir música, afinal quem não gosta de ter uma
trilha sonora no dia a dia. O que surpreende é o volume com que algumas
pessoas ouvem suas canções preferidas. Esse volume exagerado, associado
ao tempo de exposição aos ruídos (todo som contínuo é considerado,
tecnicamente, um ruído) e ao tipo de fone de ouvido – os mais populares
são aqueles encaixados dentro do canal auditivo, vulgo ouvido – podem
causar diversos problemas para a audição. O pior deles é a total perda
dessa audição. Quem gosta de música alta pode, no final das contas,
estar com os dias contados para ouví-las. Tecidos auditivos "A
música e sons altos próximos ao tímpano são uma agressão muito séria às
chamadas células ciliadas, aquelas responsáveis por levar a informação
sonora para o cérebro. Esse tipo de agressão danifica essas células e
com o tempo essas fissuras e machucados podem diminuir a audição até
chegar a sua perda completa. E como ainda não há tratamento para esse
tipo de problema – não é possível reconstruir esses ‘tecidos auditivos’ –
a pessoa pode passar anos sofrendo com os problemas relacionados com
essa perda auditiva”, explica Elisabetta Radini, fonoaudióoga e
coordenadora do Departamento de Audição da Oto-Sonic, empresa
especializada em próteses auditivas. E a perda de audição não é
somente surdez completa. O zumbido crônico é um problema cada vez mais
comum (leia mais AQUI) e interfere no padrão de sono, na concentração e,
consequentemente, na qualidade de vida. Além disso, durante o processo
de perda de audição, a comunicação vai sendo comprometida já que o
indivíduo que usa fones em volumes muito altos começa a confundir frases
e passa a não entender o que os outros falam. Com isso ela passa também
a falar mais alto, se destacando (negativamente) em determinados
ambientes. "E os problemas atingem principalmente jovens, uma
população economicamente ativa que muitas vezes está procurando um
espaço no mercado de trabalho. Comprometer a comunicação é sinônimo de
piores notas acadêmicas e até mesmo a perda de vagas para outra pessoa
que se comunique melhor – fale em um tom moderado – e responda melhor às
indicações das tarefas a serem realizadas no âmbito profissional”,
indica Elisabetta. Na altura que os jovens ouvem música, o ideal seria ficar com os fones no máximo por 15 minutos Para
se ter uma ideia dos níveis de ruídos que enfrentamos no dia a dia, uma
conversa normal gera ruídos em torno dos 60 a 70 dB (decibéis). Uma
discussão acalorada chega aos 80 dB. Trabalhadores em indústrias podem,
por lei, executar suas tarefas em locais com até 85 decibéis. A partir
desse volume o tempo de trabalho cai pela metade a cada 5 dB adicionados
a esse valor. Ou seja, se um local de trabalho tiver ruídos constantes
de mais de 90 dB, os trabalhadores podem ficar nesse tipo de ambiente no
máximo 4 horas, com 95 dB isso cai para 2 horas e assim por diante. "Pesquisas
já demonstraram que os jovens – especialmente quando querem ‘mascarar’
os sons externos – chegam a ouvir música com volumes entre 105 e 110 dB.
Se fossemos seguir as mesmas recomendações das Leis Trabalhistas, para
esse nível de volume seria aconselhado apenas 15 minutos de exposição”,
alerta Elisabetta. Calo no ouvido? Não, surdez mesmo Fabricantes de equipamentos eletrônicos como a Apple tentaram,
em vão, sugerir aos seus usuários que utilizassem um limitador de
volume em seus dispositivos (é uma opção disponível no iOS até hoje).
Mas como, indica a especialista, a maioria das pessoas tenta mascarar o
som externo aumentando o volume de seus aparelhos. E o volume aumenta
cada vez mais já que, perceptualmente, o ouvido se acostuma com o
volume. Mas não se engane: o ouvido não "cria calo”. Se a
percepção é de que é necessário aumentar a música para ouvir melhor
(afinal aquele riff de guitarra é uma obra de arte do rock’n'roll),
fisicamente o que está acontecento é que seu ouvido (ou melhor as
células ciliadas) estão chegando à exaustão. O próximo passo são as
fissuras, micromachucados que quando cicatrizam não são mais sensíveis
às informações sonoras. "Seria necessário uma ampla campanha de
conscientização dos riscos desse hábito de ouvir os sons altos no fone
de ouvido. Fones externos – ao contrário dos intra-auriculares -, por
exemplo, são menos agressivos e só essa mudança poderia resultar em
menos problemas. Mesmo assim seria interessante controlar o volume
máximo e controlar o tempo que se ouve esses ruídos. Uma pequena pausa a
cada 6 ou 7 faixas de música ouvida também seria bom para a saúde
auditiva”, sugere a especialista. Memória e aprendizado comprometidos Além dos problemas auditivos citados por Elisabetta, uma pesquisa argentina publicada no periódico Brain Research,
indica que o som alto também pode causar problemas neuronais. Segundo
os pesquisadores, que observaram modelos animais em ambientes com ruído
constante (em torno dos 90 e 97 dB) foram identificadas anormalidades na
área do hipocampo, uma região associada com os processos de memória e
aprendizagem. Os modelos animais escolhidos eram biologicamente
equivalentes a crianças entre 9 e 12 anos, o que não quer dizer que fora
dessa faixa de idade os ruídos são menos danosos. Já era sabido
que a exposição ao som alto pode causar deficiência auditiva,
cardiovascular e do sistema endócrino (além de stress e irritabilidade),
mas os autores afirmaram – em entrevista à BBC, reproduzida pelo jornal
O Estado de São Paulo - que é a primeira vez que tais alterações
morfológicas são detectadas no cérebro. "Pode-se supor a partir
dessa descoberta que os níveis de ruído a que as crianças são expostas
nas ‘baladas’ ou ouvir música alta com fones de ouvido podem levar a
déficits de memória e cuidados de longa duração”, disse Maria Zorrilla
Zubilete, professora e pesquisadora da Faculdade de Medicina da
Universidade de Buenos Aires (UBA). |