Reze! Se você é ladrão, traficante, estuprador,
assaltante, assassino, enfim, se você é bandido; reze para um dia não
cair na mira desse coroa aí da foto. Aos 69 anos, prestes a se
aposentar, Álvaro Moraes de Castro, mais conhecido como Mestre Álvaro, é
considerado o tiro mais certeiro da polícia baiana.
Com porte físico e pontaria de dar inveja a qualquer
personagem do ator americano Charles Bronson, mestre Álvaro recebeu o
CORREIO com dois companheiros de quem nunca se separa. A pistola .40 e o
sorriso cheio de humildade. Apesar de ser policial civil, fez questão
de prestar continência ao fotógrafo Almiro Lopes, o Maguila. "Conheço
Maguila há muito tempo. Estou à disposição de vocês”, disparou.
Instrutor de tiro da Coordenadoria de Operações
Especiais (COE), Mestre Álvaro é, há 23 anos, responsável pelo
treinamento de praticamente todos os policiais civis baianos. Agentes,
investigadores, escrivães e carcereiros de delegacia têm que passar por
sua mão antes de atuar. Mas não só eles.
Em um caderno enorme, que guarda no armário, Álvaro
registra o nome de milhares de pessoas para as quais ministrou curso.
São delegados, policiais federais, advogados, capitães e coronéis da PM,
promotores de justiça e do Ministério Público e até juízes e
desembargadores. Todos vão calibrar a pontaria com Mestre Álvaro.
Sim, porque, apesar de investigador, Álvaro é
tratado como mestre, inclusive pelos superiores. "Mestre Álvaro é meu
eterno professor de tiro. Tem o meu respeito não só pela experiência
como instrutor, mas pela experiência de vida. É uma figura
importantíssima para a polícia”, diz o delegado-geral da Polícia Civil,
Hélio Jorge Paixão, um dos seus alunos mais assíduos.
"Além de
estudioso do assunto e de ter o dom de ensinar, Mestre Álvaro mostra
qualidade na prática”, define o coordenador adjunto do COE, Marcos César
da Silva.
No caderno, boa parte tem o nome marcado de laranja.
São os reprovados. "Vacilou, eu reprovo. Não passo a mão na cabeça de
ninguém”.
Mestre Álvaro costuma viajar de um extremo a outro
no estado para ministrar cursos. Na semana passada, treinou 156 juízes
em Eunápolis, no Extremo Sul. Somente este ano, formou 21 turmas da
Academia da Polícia Civil (Acadepol). Volta e meia, o pessoal do
Exército, Marinha e Aeronáutica também passa no COE para tomar umas
aulas.
Currículo Numa dessas, foi nomeado Membro
Honorário da Força Aérea. Somente um dos incontáveis títulos, troféus,
medalhas, certificados e diplomas que acumula nas suas prateleiras e
armários. Álvaro é hexacampeão brasileiro de tiro policial. Guarda
também as fotos dos bandidos que conseguiu capturar. As imagens dos
criminosos que morreram são marcadas, a caneta, com uma cruz. "Quantos o
senhor já derrubou, mestre?”. "Aí você quer me complicar”, brinca.
O mesmo perfeccionismo que coloca no dedo indicador
no momento do disparo, Álvaro aplica na vida. Para cada informação, uma
prova. "Comigo é tudo preto no branco”, diz, mostrando um documento para
cada curso que ministrou ou participou ao longo da carreira.
"Para
você não pensar que eu estou mentindo, aqui está, ó. Tá vendo?”,
repetiu dezenas de vezes, inclusive quando meteu o dedo mindinho na
parte dos fundos do cano da pistola antes de posar para a foto apontando
para a câmera. Queria mostrar que a arma estava realmente descarregada.
"O controle tem que ser visual e tátil”, ensina. Não quero ferir meu
amigo Maguila”.
Swat Mistura de filósofo e professor de
física, Mestre Álvaro alia teoria e prática. Explica a força de um tiro
com equação matemática e teoriza sobre o sentido da vida. Mas nunca
deixa a modéstia. "O que eu sei é muito pouco diante do que eu ignoro”.
É
difícil arrancar de Mestre Álvaro um autoelogio. Até mesmo quando é
fotografado ao lado do diploma de ‘Top Gun’ da equipe de instrutores de
tiro da Swat, a polícia tática americana, considerada a melhor do mundo
em ações de alto risco. "Eu fui lá aprender com eles”, desconversa,
mostrando o colete de ‘Instrutor’ que ganhou na viagem.
Mas, quando fala da qualidade do tiro da polícia,
Mestre Álvaro é crítico. "Tem muito policial aí que não acerta uma folha
de papel a menos de cinco metros de distância”, diz Álvaro, que culpa
principalmente a falta de reciclagem. Os agentes, diz, passam por seu
curso e não retornam. "O ideal seria que, de três em três meses,
voltassem”.
No COE, o CORREIO conversou com três experientes
policiais que admitiram não disparar um tiro em treinamento há mais de
15 anos. Segundo Álvaro, policiais novatos vão hoje para as ruas tendo
disparado só 100 tiros no curso. O correto, diz ele, é disparar ao menos
400. "Fico triste quando vejo um colega perder a vida para um marginal
por não saber manusear a arma”.
Mestre Álvaro está há 14 anos na Polícia Civil e há
12 no COE. Mas desde 1988 é instrutor da Acadepol. Credenciado pelo
Exército e Polícia Federal há 28 anos, aprendeu a atirar nas Forças
Armadas e se aprimorou quando fundou a Associação de Tiro da Bahia
(ATB). Se eu fosse você, andava certo e não arriscava topar com o cara.
Ou então, reze!
Atirador foi Top Gun da Swat em 2010 O
certificado pregado na parede define o experiente atirador brasileiro em
poucas palavras. "Um homem de mente clara e mão firme”. Os gringos
estavam se referindo ao Mestre Álvaro Moraes de Castro, primeiro lugar
no curso de tiro da Swat, a polícia tática americana. O Curso de Tiro de Combate Avançado foi realizado em Orlando, na
Flórida, entre os dias 7 e 13 de novembro do ano passado. Depois de 80
horas, Álvaro foi considerado o melhor atirador e ganhou o certificado
de ‘Top Gun’. Além do título, patrulhou as ruas de Orlando dentro do
carro do xerife. "Os EUA são o berço do armamento no mundo. Para mim é
um orgulho ter vencido esse curso”, disse Álvaro. Ama todas, mas só dorme com uma Em termos
de armamento, Mestre Álvaro é, digamos, um sujeito infiel. Tem muitas
amantes. Manuseia qualquer tipo de arma. Sabe usar como poucos um fuzil,
conhece tudo de metralhadora, mexe com carabina, revólver 38 e
espingarda. Mas ele só dorme com uma.
Anda armado 24 horas, inclusive quando está
dormindo, mas à noite escolhe a pistola .40. Não chega a colocar debaixo
do travesseiro, mas deixa bem ao lado da cama. "Não boto no travesseiro
porque a mulher pode se retar de noite. Aí, já sabe”. Com todas as
brincadeiras, Álvaro é sério quando trata de alguns cuidados.
"Não se deixa arma ao alcance de criança. Não se
aponta arma para ninguém. A não ser que você tenha um bom motivo para
atirar”. Mestre Álvaro é professor mesmo. Didático e técnico, não aceita
jargões: "Não é ‘bala na agulha’. Agulha é de costureiro. É ‘munição na
câmara’. Quer outra? Quem dá ‘coice’ é mula ou jegue. Arma dá ‘recuo’.
‘Pente’ é para cabelo. O certo mesmo é ‘carregador’”.
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