No cinema ou na
literatura, a coisa até parece fácil e divertida. Mas, na real, a vida de uma
garota de programa passa longe do clima de videoclipe do sucesso de bilheteria
"Bruna Surfistinha".
"Não valeu a pena", diz Bruna Surfistinha
Há duas semanas em cartaz, o filme foi assistido
por mais de 1 milhão de pessoas.
O longa é inspirado no livro "O Doce Veneno do Escorpião" (Panda
Books), que relata as experiências de Bruna, codinome de Raquel Pacheco, 26, que
viveu como garota de programa dos 17 aos 21 anos.
O filme de Marcus Baldini, com Deborah Secco como
Bruna, parece uma peça publicitária, mas traz um pouco do lado B da
prostituição.
Caso da passagem da personagem pelo chamado
"baixo clero" dos bordéis, ou o famoso "vintão" -nome e
preço do programa.
O longa e a história real de Bruna mostram também
como tudo pode começar a partir de uma brincadeira: na cena inicial, Deborah
Secco encarna uma lolita que despe sua camisola via webcam.
Pode ser o primeiro passo para um universo por
onde transitam jovens (incluindo aí uma penca de adolescentes) que vendem o
corpo para qualquer um que pague.
"CÁRCERE PRIVADO"
A jovem Drica*, 24, vive no circuito de luxo da
prostituição. Seus clientes são empresários, advogados e "todo tipo de
gente com dinheiro".
Ela conta que começou aos 21 anos, imaginando que
ganharia altas cifras. Mesmo atendendo a "clientes vips", ela vivia
sob o que chama de "cárcere privado".
"Entrava às 21h e era obrigada a ficar até às
4h da manhã. Só podia sair se pagasse multa de R$ 100, mesmo se estivesse
passando mal."
Já Valentina, 22, apesar de formada em
fisioterapia e moda, decidiu vender o corpo quando sua família, no interior
paulista, sofreu um revés financeiro.
Para ela, a violência pesou. "Há clientes que
agridem, há humilhação."
Depois de dois anos como garota de programa, ela
hoje é hostess de uma boate de São Paulo e observa dramas até piores aos que
viveu.
"Há clientes hoje que querem uma parceira
para o sexo e para se drogar em quantidades gigantescas", diz.
TRÁFICO DE PESSOAS
A cada cliente, existem novos perigos. Valentina tem amigas que desapareceram
no exterior, aliciadas por redes de tráficos de pessoas.
"Algumas são mantidas presas. Dificilmente voltam."
Assim como o preço do programa, o perfil da prostituição entre jovens varia de
acordo com a região do país. "No Norte e Nordeste, o problema é a pobreza
extrema mesmo", afirma a promotora Laila Shukair, da Associação Brasileira
de Magistrados e Promotores de Justiça da Infância e da Juventude.
Famílias desestruturadas se tornam alvos fáceis de redes de tráfico de pessoas
-a terceira atividade criminosa mais lucrativa no mundo, depois de drogas e
armas.
O dinheiro que as meninas ganham vai embora tão rápido como veio. "É uma
compensação. Se você não torra com drogas, gasta tudo no shopping", diz
Valentina.
Nas ruas desde os 20 anos, Ticiane diz que o pior é a solidão. "Não tenho
mais vida pessoal, namorado ou amigos." Ela também reclama da violência.
"Saí com três rapazes que me levaram para uma rua deserta. Se não fosse um
vigia noturno, acho que tinha morrido."
A promotora Shukair aponta três responsáveis. "A família falhou na
educação. O Estado não garantiu o direito constitucional de essas adolescentes
se desenvolverem sexualmente de forma saudável. E falhou a sociedade três
vezes: na figura de quem explora, de quem paga e de todos que se omitem."
*Todos os nomes das meninas
são fictícios.
Fonte: CARLOS MINUANO
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