Depois que a
poeira da eleição de Bento XVI assentou, vários repórteres identificaram o
jesuíta argentino como o principal desafiante do então cardeal Joseph
Ratzinger. Um eleitor disse, depois, que o conclave teve "um quê de corrida de
cavalos” entre Ratzinger e Bergoglio, e um diário anônimo do conclave que
circulava entre a mídia italiana em setembro de 2005 indicava que Bergoglio
chegou a receber 40 votos na terceira votação, a que ocorreu imediatamente
antes daquela em que Ratzinger cruzou a linha dos dois terços e se tornou papa.
Embora seja difícil dizer o quanto se pode levar isso a sério, o consenso geral
é de que Bergoglio foi realmente um candidato de peso no último conclave. Ele
chamou a atenção dos ortodoxos do Colégio de Cardeais como um homem que
conseguiu segurar os avanços das correntes liberais entre os jesuítas, enquanto
para os moderados era um símbolo do compromisso da Igreja com o mundo em
desenvolvimento.
Ainda em
2005, Bergoglio marcou muitos pontos como um intelectual dedicado, que estudou
teologia na Alemanha. Seu papel de liderança durante a crise econômica
argentina deu polimento à sua reputação de ser a voz da ponderação e fez dele
um potente símbolo do que os custos da globalização podem representar para o
mundo pobre. A proverbial simplicidade pessoal também exerceu inegável atração
– é um príncipe da Igreja que escolheu viver em um apartamento simples em vez
de habitar um palácio episcopal, que abriu mão da limusine com motorista e
prefere usar o transporte público, e que cozinha suas próprias refeições.
Outra medida
da seriedade de Bergoglio como candidato é a campanha negativa feita em torno
dele há oito anos. Três dias antes da abertura do conclave de 2005, um advogado
argentino da área de direitos humanos entrou com uma ação em que Bergoglio era
apontado como cúmplice no sequestro de dois padres jesuítas, em 1976, sob o
regime militar que então vigorava no país. Bergoglio negou terminantemente a
acusação. Houve também uma campanha por e-mail, que parece ter sido orquestrada
pelos confrades jesuítas que conheciam Bergoglio dos tempos em que ele foi
provincial da ordem na Argentina. Segundo a campanha, "ele jamais sorria”.
Dito isso
tudo, o fato é que Bergoglio definitivamente esteve sempre no radar. É claro
que está oito anos mais velho agora, e que, aos 76, já está fora da faixa
etária que muitos cardeais consideram ideal. Além disso, o fato de não ter
conseguido transpor a barreira do número de votos necessário da última vez pode
convencer alguns cardeais de que não vale a pena voltar a tentar. Ainda assim,
muitas das razões que levaram membros do colégio a tomá-lo como sério candidato
oito anos atrás ainda estão de pé.
Nascido em
Buenos Aires, em 1936, Bergoglio é filho de um ferroviário que emigrou de
Turim, na Itália, para a Argentina, onde teve cinco filhos. O plano original do
cardeal era ser químico, mas, em vez disso, ele ingressou em 1958 na Companhia
de Jesus para começar os estudos preparatórios para a ordenação sacerdotal.
Passou boa parte do início da carreira lecionando Literatura, Psicologia e
Filosofia, e muito cedo era visto como uma estrela em ascensão. De 1973 a 1979
foi provincial dos jesuítas na Argentina.
Depois
disso, em 1980, tornou-se o reitor do seminário no qual havia se formado. Eram
os anos do regime militar na Argentina, quando muitos sacerdotes, incluindo
líderes jesuítas, gravitavam em torno do movimento progressista da Teologia da
Libertação. Como provincial jesuíta, Bergoglio insistiu em um mergulho mais
profundo na tradição espiritual de Santo Inácio de Loyola, ordenando que os
jesuítas continuassem seu trabalho nas paróquias e atuassem como vigários em
vez de se meterem em "comunidades de base” e ativismo político.
Embora os
jesuítas sejam, em geral, desencorajados de receber honrarias eclesiásticas,
especialmente fora de seus países, Bergoglio foi nomeado bispo auxiliar de
Buenos Aires em 1992, e depois sucedeu o adoentado cardeal Antonio Quarracino,
em 1998. João Paulo II fez Bergoglio cardeal em 2001, designando-lhe a igreja
romana que leva o nome do lendário jesuíta São Roberto Belarmino.
Ao longo dos
anos, Bergoglio se aproximou tanto do movimento Comunhão e Liberação, fundado
pelo padre italiano Luigi Giussani, que às vezes discursava no grande encontro
anual do grupo, em Rimini, na Itália. Ele também chegou a divulgar os livros de
Giussani em feiras literárias na Argentina. Isso acabou gerando consternação
entre os jesuítas, uma vez que os ciellini, como são chamados os adeptos do
movimento, já eram vistos com os principais opositores do colega jesuíta de
Bergoglio em Milão, o cardeal Carlo Maria Martini. Por outro lado, isso tudo é
parte do apelo de Bergoglio, um homem que pessoalmente se divide entre os
jesuítas e os ciellini e, em maior escala, entre os reformistas e os ortodoxos
da Igreja.
Bergoglio
apoiou o ethos de justiça social do catolicismo latino-americano, inclusive com
robusta defesa dos pobres. "Vivemos na parte mais desigual do mundo, que tem
crescido muito, mas que pouco tem feito para reduzir a miséria”, afirmou ele
durante um encontro do episcopado latino-americano em 2007. "A injusta
distribuição de renda persiste, criando uma situação de pecado social que clama
aos céus e que limita as possibilidades de uma vida plena para muitos de nossos
irmãos.” Ao mesmo tempo, ele tende mais a se empenhar pelo crescimento em graça
pessoal do que por reformas estruturais.
Bergoglio é
visto como um ortodoxo inflexível em matéria de moral sexual e como convicto
opositor do aborto, da união homossexual e da contracepção. Em 2010 ele afirmou
que a adoção de crianças por gays é uma forma de discriminação contra as
crianças, o que lhe valeu uma reprimenda pública por parte da presidente
argentina Cristina Kirchner. Ao mesmo tempo, ele demonstra sempre profunda
compaixão pelas vítimas da aids; em 2001, por exemplo, visitou um sanatório
para lavar e beijar os pés de 12 pacientes soropositivos.
Bergoglio
também marca pontos por sua apaixonada reposta ao atentado a bomba ocorrido em
1994 no prédio de sete andares que abrigava a Associação Mutual Israelita
Argentina, em Buenos Aires. Foi um dos maiores ataques a alvos judeus já
registrados na América Latina e, em 2005, o rabino Joseph Ehrenkranz, do Centro
para a Compreensão Judaico-Cristã, ligado à Universidade do Sagrado Coração em
Fairfield, no estado norte-americano de Connecticut, louvou a liderança de
Bergoglio para superar a dor do episódio. "Ele estava muito preocupado com o
que havia ocorrido”, disse Ehrenkranz. "Tinha vivido a experiência.”
Apesar
disso, depois do conclave de 2005 alguns cardeais admitiram inocentemente
duvidar de que Bergoglio realmente tivesse a forja e a força necessárias para
liderar a Igreja universal. Mais que isso, para muitos dos não
latino-americanos Bergoglio era um número desconhecido. Uns poucos relembraram
de sua liderança no Sínodo de 2001, quando ele substituiu Edward Egan, de Nova
York, como relator do encontro porque o cardeal norte-americano teve de voltar
às pressas para casa para ajudar as vítimas dos atentados terroristas de 11 de
setembro. Naquela ocasião, Bergoglio deixou uma impressão basicamente positiva,
mas pouco marcante.
Bergoglio
pode ser fundamentalmente conservador em muitas questões, mas não é um defensor
dos privilégios do clero ou um homem insensível às realidades pastorais. Em
setembro de 2012, ele disparou um ataque contra os padres que se negavam a
batizar crianças nascidas fora do casamento, classificando a recusa como uma
forma de "neoclericalismo rigoroso e hipócrita”.
As chances
de Bergoglio em 2013 repousam em quatro pontos.
O primeiro,
e mais básico, é que ele teve grande apoio da última vez, e alguns cardeais
podem pensar em uma nova tentativa agora.
Segundo,
Bergoglio é um candidato que traz consigo o Primeiro Mundo e o mundo em
desenvolvimento. É um latino-americano de raízes italianas que estudou na
Alemanha. Como jesuíta, é integrante de uma comunidade religiosa
internacionalmente confiável, e sua ligação com o movimento Comunhão e
Liberação faz dele parte de outra rede global.
Terceiro,
Bergoglio ainda é atraente diante da usual divisão da Igreja, angariando com
seu afiado senso pastoral, sua inteligência e sua modéstia pessoal o respeito
tanto dos ortodoxos quanto dos moderados. Ele também é visto como uma alma
genuinamente espiritualizada e um homem de profunda oração. "Somente alguém que
tenha encontrado a misericórdia, que tenha sido agraciado com a ternura da
misericórdia, está feliz e em paz com Deus”, disse Bergoglio em 2001. "Eu peço
aos teólogos presentes que não me enviem ao Santo Ofício ou à inquisição; no
entanto, forçando um pouco as coisas, ouso dizer que o lugar privilegiado do
encontro é a bondade da misericórdia de Cristo sobre meus pecados.”
Quarto, ele
é também visto como um evangelista bem-sucedido. "Temos de evitar a doença
espiritual de uma Igreja autorreferente”, disse recentemente. "A verdade é que,
quando se sai às ruas, como fazem todos os homens e mulheres, acidentes
acontecem. No entanto, se a Igreja se fechar em si mesma, se torna
ultrapassada. Entre uma Igreja que sofre acidentes lá fora e outra adoecida
pela autorreferência, não tenho dúvidas em preferir a primeira.”
Na
contramão, há razões para acreditar que a janela de oportunidade para Bergoglio
alcançar o pontificado já se fechou.
Afinal, ele
está oito anos mais velho que em 2005 e, aos 76 , seria apenas dois anos mais
jovem do que era Bento XVI quando se tornou papa. Especialmente nos calcanhares
de uma renúncia papal fundamentada nos problemas da idade e da exaustão, muitos
cardeais podem se recusar a eleger alguém tão idoso por temer que isso exponha
a Igreja a um novo choque.
Em segundo
lugar, embora fosse um sério concorrente em 2005, o fato é que ele não
conseguiu atrair apoio suficiente para superar a barreira de dois terços dos
votos necessários para a eleição. Especialmente no que se refere aos 50 cardeais
que estiveram presentes no último conclave, o clima tende a ser de ceticismo
quanto à possibilidade de resultados diferentes desta vez.
Terceiro, as
dúvidas sobre a resistência de Bergoglio espalhadas nos últimos oito anos podem
agora ser argumentos ainda mais corrosivos, dado que a habilidade para governar
e manter sob controle a burocracia vaticana parece ser o item mais importante
nas listas dos eleitores. Embora Bergoglio integre muitos departamentos do
Vaticano, inclusive a Congregação para o Culto Divino e Disciplina dos
Sacramentos e a Congregação para o Clero, ele nunca trabalhou realmente dentro
do Vaticano, e podem surgir preocupações sobre sua capacidade para controlar o
lugar.
Um quarto
obstáculo é a ambivalência padrão quanto aos jesuítas no alto escalão, tanto
dentro quanto fora da ordem. Esse pode ter sido o fator a frear o avanço de
Bergoglio da última vez, e nada mudou no cálculo desde então.
Que
Bergoglio se coloca novamente como candidato parece óbvio. Um escritor
italiano, citando um cardeal anônimo, disse, no dia 2 de março, que "quatro
anos de Bergoglio seriam suficientes para mudar as coisas”. Levando em conta
seu perfil, no entanto, Bergoglio parece destinado a cumprir um importante
papel neste conclave – se não como rei, será como fazedor de reis.
Além da guarnição da CETO, outra guarnição da polícia militar
deu apoio no local, além de uma equipe da polícia rodoviária federal que também
esteve no local do fato. Fonte: Noticia Livre |