Com três dias de trabalho depois de cumprir suspensão
por seis meses, o juiz Luís Roberto Cappio, conhecido por julgar favorável o
retorno das crianças adotadas em Monte Santo, no interior da Bahia, foi
novamente afastado, agora por tempo indeterminado. A sessão foi realizada no
Pleno do Tribunal de Justiça da Bahia (TJ-BA) nesta quarta-feira (23).
De acordo
com o TJ-BA, o afastamento estava por vencer, por isso foi realizada sessão
nesta quarta-feira. Em decisão unânime, os desembargadores preferiram mantê-lo
afastado até conclusão dos processos administrativos, que são por casos de
descortesia com serventuários e por baixa produtividade. Cappio já tem
conhecimento da nova decisão. "Investem uma mentira atrás da outra para
que eu não exerça judicatura com independência e liberdade", avalia.
O magistrado
conta que surgiu uma nova alegação de que ele teria trancado um então juiz
auxiliar dentro de seu gabinete, impedindo a saída do colega, o que classifica
como um fato inventado. "Obviamente não pratiquei ilícito. Isso foi
inventado, uma mentira, esse fato jamais ocorreu. Vou interpelá-lo criminalmente
[o juiz], assim como vou interpelar o desembargador que repetiu isso [no
Pleno]. Essas pessoas que inventaram isso precisam responder por denunciação
caluniosa", diz. Segundo conta, o juiz envolvido no relato atua hoje na 1°
Vara Crime de Salvador.
O juiz
baiano voltou a atuar na segunda-feira (21) e foi recebido com festa pela população como juiz da Comarca de
Euclides da Cunha. O 5º Batalhão de Polícia Militar, em ofício assinado pelo
comandante Josenilton da Hora, garantiu que "não há possibilidade de
ocorrer clima hostil" tanto em Euclides quanto em Monte Santo contra
Cappio. Na segunda, o magistrado disse estar motivado, que tem apoio dos
serventuários e prometeu desenvolver "trabalho inédito" na comarca.
Luís Roberto
Cappio afirma que ainda não sabe o nome do desembargador que fez o relato da
situação alegada em juízo, mas que vai mover ação também contra ele. "Eu
nunca, jamais, tomei ciência e nem sabia que isso poderia ser difundido em sessão
plenária de um Tribunal de Justiça. Não me defendi, não fui notificado. Se
tivesse, teria rebatido essa mentira. Quero saber quem foi o desembargador que
disse isso no Pleno. Segundo soube, foi um pedido do Ministério Público,
acatado liminarmente", afirma. O G1 tentou, mas ainda não conseguiu
contato com o MP-BA.
O juiz diz
que não vai recorrer da decisão no TJ-BA, mas vai pedir que o Conselho Nacional
de Justiça (CNJ) julgue todos os processos contra ele que tramitam no
Judiciário baiano. "O TJ-BA não tem isenção para avaliar e julgar nada que
me diga respeito. É necessário que o CNJ avoque todos os procedimentos e
processos contra mim. O juiz e o desembargador que difundiram essa calúnia, eu
vou pedir explicações judiciais", aponta.
Cappio já
tinha sido afastado cauterlamente por unanimidade, durante
90 dias, em 17 de abril deste ano, prazo que expirou em julho. O pedido foi
feito pelo procurador-geral adjunto do MP-BA, Rômulo Moreira, com os argumentos
de que houve "indisposição" do juiz com os três promotores da comarca
de Monte Santo, com serventuários da Justiça e com delegado de polícia. Além
disso, ainda defendeu para a Justiça a "baixa produtividade" do
magistrado.
Adoção
suspeita
O juiz revisou os processos de adoções na cidade do interior baiano e apontou
irregularidades, o que motivou as decisões favoráveis à família baiana. As
crianças foram retiradas da cidade no mês de junho de 2011, por ordem do juiz
Vitor Bizerra.
À CPI do
Tráfico de Pessoas, Vitor Bizerra alegou que, para a concessão, se embasou em
relatórios do Conselho Tutelar e do Ministério Público do estado. Por denúncias
de insegurança, a dona de casa Silvânia da Silva deixou a cidade de Monte Santo
no mês de maio com seus seis filhos, cinco deles envolvidos no processo de
adoção.
Tráfico de
pessoas
Para Cappio, Monte Santo e Euclides da Cunha, onde mora atualmente, fazem parte
de uma rota de tráfico de pessoas, entre elas, de crianças. "Tenho certeza
absoluta, não só eu, como autoridades federais, membros da CPI. Essas cidades
estão no roteiro do tráfico de pessoas, de adoções irregulares, e o judiciário
é usado para fins ilícitos. Estamos falando de vidas de crianças indefesas. É
preciso acompanhar mais de perto. Bastou um juiz enfrentar com destemor esses
agentes públicos para ser afastado cautelarmente, o que dá veracidade ao que eu
acabo de afirmar. Isso é inadimissível", avaliou.
O presidente
da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Câmara dos Deputados que apura os
casos de tráfico de pessoas no país, Arnaldo Jordy (PPS-PA), disse estar
convicto que Monte Santo e Euclides da Cunha são rotas do crime. "Há uma
rede criminosa de tráfico de crianças para fins de adoção ilegal. O que estamos
ultimando é a extensão dessa rede e os personagens", diz, em entrevista ao
G1.
O
parlamentar afirma que há indícios de benevolência de membros do judiciário no
processo. "A capa legal dessa rota do crime organizado conta com a
cumplicidade da estrutura da organização judiciária da Bahia. Tem uma postura
estranha envolvendo cartórios, fóruns, pessoas", comenta. A atuação
dos juízes na adoção irregular na Bahia é investigada pelo Conselho Nacional de
Justiça (CNJ).
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