O sol que resseca o chão e castiga o gado brilha impiedoso há quase três
anos. Sem chuva, sem água, sem criação animal, plantação, nem produção
leiteira, pequenos e médios produtores viram neste ano se reduzir a zero o
número de sacas produzidas em culturas como a de milho, mandioca, feijão,
hortaliças, fruticultura e cafeicultura. Sem pastagem, morreram o gado, os
porcos, as cabras, as aves, ficaram sem leite as vacas. Ficou impossível manter
os trabalhadores na lavoura e no pasto.
Para quem vivia
da agricultura familiar, em roças de subsistência, o feijão que vai ao prato
não vem mais do quintal. É pago com o dinheiro de programas sociais como o
Bolsa Família e o Auxílio Estiagem. Isso quando não se tornou impossível
manter-se na roça – buscar emprego na cidade grande tornou-se a única opção
para muitos.
A peleja dos
agricultores diante da seca atinge 390 mil quilômetros quadrados de terra na
Bahia, cerca de 70% da área do estado – 214 municípios já decretaram situação
de emergência. A falta crônica de água já bate à porta da capital. A cerca de
cem quilômetros de Salvador, na zona rural de Feira de Santana, se contam aos
milhares histórias similares à de José Ferreira Sales, 56 anos, filho de pais
trabalhadores rurais, dono de uma pequena roça de 3 hectares, onde planta
feijão, milho e mandioca e cria cabras e galinhas.
Quando ainda conseguia tirar seu sustento da terra, tudo era negociado
com comerciantes locais. "Hoje, 90% dos agricultores familiares de Feira vivem
do dinheiro da Bolsa Família, do Auxílio Estiagem, dp Garantia Safra, da
aposentadoria rural. Enfim, de dinheiro do governo”, disse. Ele mesmo recebe R$
140 por mês, via Garantia Safra, dinheiro que sustenta sua mulher e mais três
filhos. "Ta todo mundo com dificuldade até para pagar as contas de água e luz”,
desabafa o produtor, que é presidente do Sindicato dos Agricultores de Feira.
Sem ter como
trabalhar na terra, outros três filhos de José foram morar na cidade. "Até os
grandes fazendeiros que demandavam mão de obra dos pequenos agricultores não
existem mais. Está complicado. Meus três filhos que foram para a cidade pegam o
trabalho que aparecer de pedreiro, de servente, porque a situação está braba.
Tem família para dar comida e não podem vacilar”, disse.
Ajuda
Sem ter como plantar, os agricultores familiares, pequenos e médios se reuniram
ontem na sede da Federação da Agricultura e Pecuária da Bahia (Faeb), em
Salvador. Eles se juntaram para elaborar um documento com reivindicações ao
governo federal e estadual e marcar mobilizações para chamar atenção do poder
público. "Se ninguém souber do nosso drama, vamos continuar invisíveis. O
Brasil precisa saber do que acontece com quem sofre com a seca”, disse Carlos
Henrique Ribeiro, do Sindicato de Produtores Rurais da Bahia.
Governo tem dificuldade para
ajudar produtores
Como medidas emergenciais, os agricultores elegeram como prioridade a
estruturação da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) na Bahia, para o
rápido fornecimento de milho para ração animal a preços de R$ 22 a saca de 60
quilos – atualmente, os agricultores pagam cerca de R$ 43 para o produto
comprado em estados vizinhos como Minas Gerais.
Os agricultores
querem ainda a ajuda do poder público para perfurar poços artesianos, além do
retorno das linhas de financiamento para médios e pequenos produtores via Banco
do Nordeste (BNB), com teto de R$ 100 mil. Atualmente, apenas os agricultores
familiares têm acesso ao crédito, que é limitado a R$ 12 mil. "A seca está
jogando a dignidade do produtor no chão, fazendo ele se humilhar diante do
gerente do banco, do secretário e do governador, e isso não está dando
resultado”, reclamou o presidente da Faeb, João Martins Júnior.
Ele cobrou ainda
que sejam planejadas, para o médio e longo prazos, medidas para ajudar a
retomada dos plantios e criações de animais, assim que a seca acabar, bem como
viabilizar o perdão de parte da dívida dos agricultores. "Não haverá lucro em
menos de cinco anos. Essa dívida é impagável, tem que perdoar parte e financiar
outra parte”, sugeriu.
O secretário de
Agricultura do estado, Eduardo Salles, afirmou que a a política emergencial
para a agropecuária encontra dificuldade em conseguir água justamente porque o
que é encontrado em poços e barragens subterrâneas, em geral é utilizado para o
consumo humano. "Até os mananciais subterrâneos estão secando”, contou.
Como forma de
alimentar os animais, o governo está investindo R$ 1,5 milhão na produção de um
milhão de mudas de palma por mês, em Juazeiro, para serem distribuídas aos
produtores de todo o estado. Além disso, segundo ele, já foram liberados R$
22,1 milhões para a construção, neste ano, de 1,4 mil barragens
subterrâneas em 50 municípios.
O secretário
disse que tem buscado, ainda, uma solução para trazer milho de outras regiões
do país para servir de ração. Uma proposta que está em estudo com a Conab é a
de que navios saiam do porto de Paranaguá, do Páraná, com a carga de 20
mil toneladas por mês para cada estado atingido pela seca.
"Esse milho
viria para Salvador, e nós nos responsabilizamos em transportá-lo para o
interior”. Segundo Salles, com três anos de estiagem seguidos, a seca no
Nordeste brasileiro pode ser considerada a mais grave de todos os tempos. "É
como se fosse um terremoto de grandes dimensões que vem devastando tudo”. Fonte: Correio |