Quando se fala em usuários de crack, é possível que a maioria dos
brasileiros pense na famosa cracolândia de São Paulo. Mas duas pesquisas
nacionais divulgadas ontem mostram que nas ruas das nove capitais do
Nordeste — entre elas, Salvador — se encontra quase metade dos usuários da
droga e similares (pasta base, merla e oxi) do país — 148 mil, ou 38,7% do
total de 382 mil usuários regulares da droga. Os estudos, apresentados
ontem pelo Ministério da Justiça (MJ), naquele que é considerado o maior
levantamento já feito no mundo sobre o assunto, revelou ainda um perfil sobre
esses usuários: eles são, em sua maioria, homens jovens, com idade média de 30
anos.
Entre as regiões do Brasil, o Nordeste lidera o uso
regular de crack e similares, com 40% do total, seguido do Sudeste, do
Centro-Oeste, do Sul e do Norte. Além disso, cerca de 80% dos usuários dessas
substâncias fazem isso em lugares públicos e de grande circulação, como as
ruas.
Nas capitais do Sudeste e do Centro-Oeste, o crack
e similares correspondem a 52% e 47%, respectivamente, de todas as drogas
ilícitas (com exceção de maconha) consumidas nessas cidades. Já no Norte, o
crack tem uma participação menor no total: cerca de 20%.
Além disso, as capitais do Nordeste são as que
concentram mais crianças e adolescentes usuários de crack e similares, com 28
mil pessoas. No Sul e no Norte, esse número é de cerca de 3 mil indivíduos em
cada região.
Segundo Maximiano, o alto uso de crack no Nordeste
está ligado ao Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) local, onde há uma
população mais carente. Essa droga acaba sendo, portanto, uma alternativa
barata. Já no Sul, a relação é de ordem sociológica, pois lá as pessoas
tradicionalmente consomem mais drogas (sobretudo injetáveis) que a média nacional.
Nas mesmas cidades analisadas, estima-se que 1
milhão de pessoas usem drogas ilícitas em geral (cocaína, heroína, ecstasy,
LSD, etc), com exceção de maconha. De acordo com os autores, ainda não é
possível fazer um estudo em todo o país porque não há bancos de dados nacionais
com informações suficientes sobre grupos específicos da população.
Usuário difícil de encontrar
Na opinião do pesquisador da Fiocruz Francisco Inácio Bastos, um dos
coordenadores dos levantamentos, em estudos tradicionais com perguntas diretas
não é possível identificar os usuários de crack e similares em casa, pois eles
estão nas ruas. Para ter acesso a essas pessoas, então, é preciso ir em busca
de suas redes de contatos.
Além de estarem fora de casa, os indivíduos que
consomem drogas como o crack são mais estigmatizados que aqueles que usam
maconha ou álcool, na opinião de Bastos. Por isso, a maioria dos usuários não
assume o vício.
Entre as perguntas feitas pelo método indireto,
incluídas em uma lista com cerca de 100 questões, estavam: "Você conhece alguém
que usa crack? Quantas pessoas?” Além disso, o levantamento reuniu perguntas
sobre o programa Bolsa Família e outros assuntos que, depois, foram confirmados
em cadastros oficiais das capitais.
Sobre as "cracolândias”, Bastos diz que esse não é
um fenômeno comum e está mais restrito a São Paulo e ao Rio de Janeiro, pois
para esses locais existirem é preciso de alguns pré-requisitos, como grande
densidade urbana, ausência do poder público naquele determinado lugar e uma
cadeia de distribuição de drogas de grande porte.
O relatório da Fiocruz conclui que o estudo
indireto pode servir de base para futuras pesquisas sobre crack com essa mesma
metodologia, a fim de gerar uma série histórica confiável. A partir dele, na
visão dos autores, também é possível pensar em políticas públicas e estratégias
voltadas principalmente para crianças e adolescentes. Fonte: G1.com |