Empresas abertas em nome de laranjas são usadas frequentemente para
comprar concessões de rádio e TV nas licitações públicas realizadas
pelo governo federal, aponta levantamento inédito feito pela Folha.Por
trás dessas empresas, há especuladores, igrejas e políticos, que, por
diferentes razões, ocultaram sua participação nos negócios.Durante
três meses, a reportagem analisou os casos de 91 empresas que estão
entre as que obtiveram o maior número de concessões, entre 1997 e 2010.
Dessas, 44 não funcionam nos endereços informados ao Ministério das
Comunicações.Entre seus "proprietários", constam, por exemplo,
funcionários públicos, donas de casa, cabeleireira, enfermeiro, entre
outros trabalhadores com renda incompatível com os valores pelos quais
foram fechados os negócios.Alguns reconheceram à Folha que
emprestaram seus nomes para que os reais proprietários não figurem nos
registros oficiais. Nenhum, porém, admitiu ter recebido dinheiro em
troca.Há muitas hipóteses para explicar o fato de os reais proprietários lançarem mão de laranjas em larga escala.Camuflar a origem dos recursos usados para adquirir as concessões e ocultar a movimentação financeira é um dos principais.As
outras são evitar acusações de exploração política dos meios de
comunicação e burlar a regra que impede que instituições como igrejas
sejam donas de concessões.Não há informação oficial de quanto a
venda das concessões públicas movimentou. De 1997 a 2010, o Ministério
das Comunicações pôs à venda 1.872 concessões de rádio e 109 de TV.
Licitações analisadas pela reportagem foram arrematadas por valores de
até R$ 24 milhões.Também não existem dados oficiais atualizados
sobre as licitações disponíveis para consulta. As informações do
ministério deixaram de ser atualizadas em 2006.Para chegar aos
donos das empresas, a Folha cruzou informações fornecidas pelo governo
com dados de juntas comerciais, cartórios, da Anatel e do Senado, que
tem a atribuição de chancelar as concessões.EM NOME DE DEUSPessoas
que admitiram ter emprestado seus nomes dizem que o fizeram por
motivação religiosa ou para atender a amigos ou parentes.Donos,
respectivamente, das Rádio 630 Ltda. e Rádio 541 Ltda., João Carlos
Marcolino, de São Paulo, e Domázio Pires de Andrade, de Osasco,
disseram ter autorizado a Igreja Deus é Amor a registrar empresas em
seus nomes para ajudar a disseminar o Evangelho.Políticos também
podem estar por trás de empresas. O senador Romero Jucá (PMDB-RR),
líder do governo no Senado, é apontado pelo sócio no papel da Paraviana
Comunicações como o real dono da empresa, que comprou duas rádios FM e
uma TV em licitação pública.Em e-mail enviado à Folha, João
Francisco Moura disse que emprestou o nome a pedido do amigo Geraldo
Magela Rocha, ex-assessor e hoje desafeto de Jucá.Magela confirmou
a versão. O senador foi procurado quatro vezes pela reportagem para
responder à acusação, mas não se pronunciou.O radialista e
ex-deputado estadual Paulo Serrano Borges, de Itumbiara (GO), registrou
a Mar e Céu Comunicações em nome da irmã e do cunhado. A empresa
comprou três rádios e duas TVs por R$ 12,7 milhões e, em seguida, as
revendeu.Borges disse apenas que usou o nome da irmã por já ter
outras empresas em seu nome, sem dar mais explicações. E que revendeu
as concessões por não ter dinheiro para montar as emissoras.Chama a
atenção o fato de que algumas concessões são adquiridas com ágio de até
1.000%. Empresários do setor ouvidos pela Folha dizem que as rádios não
são economicamente viáveis pelos valores arrematados. O setor não tem
uma explicação comum para esse fenômeno.A rádio de Bilac (SP), por
exemplo, foi vendida por R$ 1,89 milhão, com 1.119% de ágio sobre o
preço mínimo do edital. A empresa está registrada em nome de uma
cabeleireira moradora de Itapecerica da Serra (SP)."Só dei o meu nome para a igreja arrumar emissoras", diz evangélicoO evangélico Domázio Pires de Andrade, 74, vive da pensão de um salário mínimo numa casa humilde em terreno público invadido.No
papel, é sócio da empresa Rádio 541 Ltda., com Antonio Ribeiro de
Souza, ex-vice-presidente da Igreja Deus é Amor. A empresa comprou
quatro rádios em Minas, por R$ 200 mil. Após trabalhar por 24 anos na
igreja, Domázio foi demitido e aderiu à Clamor dos Fiéis.A direção da Deus é Amor não quis falar sobre o registro de empresas em nome de fiéis. (EL)Folha - O senhor é dono da empresa Rádio 541 Ltda.?Domázio Pires de Andrade - Só dei meu nome para a igreja arrumar emissoras.Quem lhe pediu o nome?A direção da igreja.O senhor tem recursos para pagar as concessões?De jeito nenhum.De onde virá o dinheiro?Disseram para eu não me preocupar. A igreja arca com toda a responsabilidade.O senhor sabe qual é a situação atual de sua empresa?Não tenho ideia. Todos os documentos ficaram no departamento jurídico.O senhor vai reclamar a propriedade das rádios?De maneira alguma. Dei minha palavra.Por que saiu da Deus é Amor?Me
mandaram embora há cinco anos, porque eu estava de idade (velho). No
início, eu vivi da ajuda dos meus amigos. Depois, fui para a Justiça do
Trabalho. Na semana passada, eles me ofereceram R$ 3.000, e aceitei.Ministério diz não ter como saber se donos são laranjasO
secretário de Serviços de Comunicação Eletrônica do Ministério das
Comunicações, Genildo Lins de Albuquerque Neto, diz não ter meios de
identificar se os nomes que aparecem nos contratos sociais das empresas
são laranjas ou proprietários de fato, e que essa é tarefa para a
Polícia Federal e para o Ministério Público Federal."Seria preciso
quebrar o sigilo fiscal da empresa e dos sócios e fazer escuta
telefônica para saber se há um sócio oculto por trás dos proprietários
declarados", afirmou.Alega ainda que não pode contestar a
veracidade de documentos emitidos por instituições de fé pública, como
os cartórios e as juntas comerciais que registram os contratos das
empresas."Não há lei que impeça um soldado, um desempregado ou um
funcionário público subalterno de abrir empresa. Não tenho como
obrigá-los a comprovar, antes da licitação, se têm ou não o dinheiro
para pagar a concessão."A prioridade, segundo o secretário, é
colocar em dia os processos de concessão atrasados -após a licitação há
um longo caminho até a aprovação definitiva.Ele prometeu zerar o
estoque de rádio e TV acumulados no prazo de um ano e meio. Até lá,
está suspensa a abertura de novas licitações."Entre a licitação
pública de venda da concessão e a emissão de licenciamento da emissora
há uma via crucis administrativa. Os procedimentos são lentos e
burocratizados. Cada processo passava três vezes pelo gabinete do
ministro até a aprovação da outorga. A partir de agora, só irá ao
ministro uma vez."Ele avalia que os editais de licitação foram
malfeitos e deixaram brechas para as empresas adiarem o pagamento das
outorgas e a assinatura dos contratos.ATRASOSOs
processos de concessão se arrastam por mais de dez anos. Cerca de 890
licitações feitas entre 1997 e 2001, no governo Fernando Henrique,
ainda não foram concluídas.Licitações feitas até 2002 juntavam
concessões em diversos locais num só edital. Como as empresas
disputavam em regiões diferentes, quando um candidato era inabilitado
em uma delas, os demais processos paravam.Mesmo com os processos se
acumulando, novas licitações foram abertas, agravando o problema. Em
2000 e 2001, sem ter concluído licitações anteriores, o ministério pôs
à venda 1.361 concessões. Até hoje, 40% desses processos viraram
contratos.Não foi criado um filtro que impedisse o candidato de
vencer mais concessões do que o limite legal. A legislação diz que
nenhuma empresa ou acionista pode ter mais de seis rádios FM, quatro AM
e dez geradoras de TV comercial em todo o país.Há casos de empresas e pessoas físicas declaradas vencedoras de mais concessões do que o permitido.Também
há problemas com prazos. O ministério teria dez dias, a contar da
aprovação no Congresso, para convocar o vencedor, e 60 dias para
assinar contrato de concessão. Há 336 processos aprovados pelo
Congresso sem assinatura do contrato de concessão. Fonte: Folha.Uol.com.br
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