PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO
DA BAHIA
TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Seção Cível de Direito
Público
DECISÃO MONOCRÁTICA
Classe : Procedimento
Ordinário n.º 0021492-82.2013.8.05.0000
Foro de Origem : Foro de
comarca Capim Grosso
Órgão : Seção Cível de
Direito Público
Relator(a) : Des.ª Ilona
Márcia Reis
Autor : Município de Capim
Grosso
Advogado : Rafael Borges
Santos (OAB: 21921/BA)
Réu : APLB -Sindicato dos
Trabalhadores Em Educaçao do Estado da Bahia, Delegacia Sindical Capimgrossense
Assunto : Direito de Greve
Decisão
Cuida-se de Ação
Declaratória, com pedido de antecipação de tutela, ajuizada pelo MUNICÍPIO DE
CAPIM GROSSO emface do SINDICATO DOS TRABALHADORES EM EDUCAÇÃO DO ESTADO DA
BAHIA – APLB, Delegacia Sindical Capimgrossense.
Aduz haver o sindicato,
após assembleia realizada em 11 de novembro do ano corrente, deflagrado greve
geral dos professores da rede municipal de ensino, por tempo indeterminado,
motivada pelo corte na gratificação paga aos docentes do município, efetuado a
partir do mês de outubro.
Relata as dificuldades da
municipalidade em honrar com o pagamento integral dos vencimentos dos
professores, destacando as distorções do Plano de Cargos e Salários da categoria
profissional, que absorve a quase totalidade dos recursos do FUNDEB, agravadas
sobremodo pela queda da receita municipal nos últimos meses.
Apesar dessa escassez
financeira, em virtude do incremento dos recursos públicos no mês de novembro,
afirma haver pago à maioria dos professores a indigitada gratificação,
assegurando fazê-lo aos demais, tão logo ingressem mais receitas no município.
Reputa ilegal e abusiva a
greve, porque a entidade sindical além de desconsiderar a iniciativa da
municipalidade em adimplir parte das gratificações, não estabeleceu nenhum
canal de negociação prévio, tampouco comunicou o início da paralisação com
antecedência exigida por lei.
Destaca os prejuízos
causados pela greve aos milhares de alunos da rede pública de ensino,
notadamente para o ano letivo, contribuindo, sobremaneira, para a evasão
escolar, e privando-os, também, do recebimento diário da merenda fornecida nas
escolas municipais.
Afirmando existentes os
pressupostos para o deferimento da tutela antecipada, a requereu, para se
determinar o retorno dos professores às atividades ou, subsidiariamente, a
manutenção do contingente mínimo de 80% (oitenta por cento) para atender às
necessidades dos alunato, sob pena de pagamento de multa diária de R$ 50.000,00
(cinquenta mil reais).
Junta os documentos de
fls. 11/22.
É o relatório. Decido.
Ab initio, registre-se não
mais haver dúvidas a respeito da competência originária dos tribunais de
justiça estaduais para o julgamento de ações judiciais relativas à greve dos
servidores públicos municipais. A dissensão encontra-se superada desde o
julgamento pelo plenário do Supremo Tribunal Federal do Mandado de Injunção nº.
708/DF, da relatoria do Ministro Gilmar Mendes, onde, no particular, restou
assentado o seguinte entendimento:
"(...) 6. DEFINIÇÃO DOS
PARÂMETROS DE
COMPETÊNCIA CONSTITUCIONAL
PARA
APRECIAÇÃO DO TEMA NO
ÂMBITO DA JUSTIÇA
FEDERAL E DA JUSTIÇA
ESTADUAL ATÉ A
EDIÇÃO DA LEGISLAÇÃO
ESPECÍFICA
PERTINENTE, NOS TERMOS DO
ART. 37, VII, DA
CF. FIXAÇÃO DO PRAZO DE 60
(SESSENTA) DIAS
PARA QUE O CONGRESSO
NACIONAL LEGISLE
SOBRE A MATÉRIA. MANDADO
DE INJUNÇÃO
DEFERIDO PARA DETERMINAR A
APLICAÇÃO
DAS LEIS Nº 7.701/1988
E7.783/1989. (...) 6.3.
Até a devida disciplina
legislativa, devem-se definir as situações provisórias de
competência constitucional para a apreciação desses
dissídios no contexto nacional, regional, estadual e
municipal. Assim, nas condições acima especificadas, se a
paralisação for de âmbito nacional, ou abranger mais
de uma região da justiça federal, ou ainda,
compreender mais de uma unidade da federação, a
competência para o dissídio de greve será do Superior Tribunal
de Justiça (por aplicação analógica do art. 2o, I,
"a”, da Lei no 7.701/1988).
Ainda no âmbito federal,
se a controvérsia estiver adstrita a uma única
região da justiça federal, a competência será dos
Tribunais Regionais Federais (aplicação analógica do
art. 6o da Lei no 7.701/1988).
Para o caso da jurisdição
no contexto estadual ou municipal, se a
controvérsia estiver adstrita a uma unidade da federação, a
competência será do respectivo Tribunal de Justiça
(também por aplicação analógica do art. 6o da Lei no
7.701/1988). As greves de âmbito local ou municipal serão
dirimidas pelo Tribunal de Justiça ou Tribunal
Regional Federal com jurisdição
sobre o local da
paralisação, conforme se trate de greve de servidores municipais,
estaduais ou federais. (...)” (destaquei)
Esse julgamento também
fixou o entendimento quanto à aplicação, por analogia,
da Lei n.º 7.783/89 à greve no serviço público, escoimando as discussões até
então existentes acerca da efetividade desse direito aos servidores públicos,
pois o artigo 37, inciso VII, da Constituição Federal, o condiciona à edição de
lei específica. Desse modo, segundo decidiu o Supremo Tribunal Federal,
enquanto persistir a omissão legislativa, será da mencionada lei a disciplina
derredor da matéria.
Não se olvida como
corolário dessa decisão, a categorização do direito de greve no serviço público
como direito fundamental, porquanto não é demasia lembrar, no caso dos
trabalhadores da iniciativa privada, o artigo 9º, da Magna Carta, onde o
direito insere-se no Capítulo II, Título II, dedicado aos direitos e garantias
fundamentais.
Da mesma forma, à educação
também foi conferido o status de direito social, cuja natureza fundamental é
inegável, nos termos doartigo 6º, da Constituição Federal. É ainda o Texto
Constitucional, no artigo 205, que estabelece a educação como um direito de
todo o cidadão e dever do Estado.
A análise da matéria posta
em julgamento revela a existência de uma antinomia entre direitos fundamentais,
cuja superação é essencial para desvelar os caminhos trilhados nesta decisão.
De um lado, o princípio da liberdade do trabalho, de onde dimana o direito de
greve; do outro, o direito à educação, como essencial ao desenvolvimento da
pessoa.
Esta colisão de direitos
deve ser resolvida, ainda que aprioristicamente, pelo princípio da ponderação
de interesses, respeitados, naturalmente, os limites dos direitos fundamentais
em choque.
Malgrado estes direitos
possuírem a mesma índole constitucional, ao sopesá-los deve se levar em
consideração a densidade de cada um, sobretudo porque a legislação ordinária
aplicável ao direito à greve estabelece algumas restrições ao seu exercício,
não encontradas no direito à educação, caracterizado como direito público
subjetivo, nos termos do artigo 208, da Constituição Cidadã, donde exsurge a
impossibilidade do Estado negá-lo, sob qualquer forma.
A principal dessas limitações
infraconstitucionais certamente é a que obriga os trabalhadores a garantirem a
continuidade dos serviços ou atividades considerados essenciais. Conquanto fora
do rol das atividades assim consideradas pelo artigo 10, da análoga Lei n.º
7.783/89, o dispositivo legal é meramente exemplificativo, inadmitindo-se, à
luz das considerações esposadas, a exclusão dos serviços educacionais desse
elenco.
E porque os serviços
públicos são, evidentemente, essenciais, a ponderação traz como consequência a
vedação à greve absoluta, tal como sucede no caso concreto, devendo, desse
modo, ser assegurado um contingente mínimo de professores para manter a regular
continuidade desses serviços.
Esta exigência ganha maior
relevo porque a manutenção do movimento grevista acentua as desigualdades entre
os alunos das escolas privadas e os congêneres das escolas públicas,
especialmente no final do ano letivo, quando tradicionalmente ocorrem os
concursos vestibulares, momento em que as aulas e estudos devem ser
intensificados. A greve, nesse sentido, se afigura como mais uma barreira e
elemento de desestímulo para a superação das notórias dificuldades sociais
enfrentadas por esses estudantes.
Ademais, no nosso país, o
ensino fundamental público é formado, na sua ampla maioria, por alunos de
famílias carentes, algumas delas em situação de pobreza extrema, que buscam na
frequência à escola não apenas o desenvolvimento e cidadania, mas, também, a
oportunidade de realizar, pelo menos, uma refeição diária.
Desta forma, na ponderação
entre as relevâncias desses direitos, a educação, nesse juízo de cognição
sumária, deve prevalecer, notadamente porque visa cumprir um dos objetivos da
República Brasileira, qual seja, a redução das históricas desigualdades
sociais, mantendo e garantindo a paridade entre todos os cidadãos, não se
olvidando ser uma das dimensões do princípio da dignidade da pessoa humana,
erigido pelo legislador constitucional como norteador do ordenamento jurídico
pátrio.
Ademais, as provas
coligidas até esse momento, revelam o desatendimento, pelo réu, da exigência de
notificação prévia de 72 (setenta e duas) horas do início do movimento
grevista, tal como determina o artigo 13, norma incidente na hipótese.
De tudo isso avulta a
necessidade de deferimento do provimento antecipatório postulado, porque, ainda
quando feito superficialmente, o juízo de delibação, realizado no caso concreto
a partir da valoração dos fatos e do direito, ampara-se na verossimilhança do
direito requerido, evidenciando-se, com a mesma relevância, o fundado receio de
dano irreparável ou de difícil reparação ao alunado capimgrossense.
A orientação
jurisprudencial dessa corte corrobora tal entendimento, como se colhe do
recente julgado abaixo transcrito:
EMENTA: AGRAVO REGIMENTAL.
MANDADO
DE SEGURANÇA. GREVE DOS
PROFESSORES DO MUNICÍPIO DE VERA CRUZ. DECISÃO LIMINAR
DETERMINANDO O RETORNO
IMEDIATO DE
50% DOS PROFESSORES
LOTADOS EM CADA
ESTABELECIMENTO DE ENSINO.
INSURGÊNCIA
DO MUNICÍPIO. AUSÊNCIA DE
ARGUMENTO
NOVO. RECURSO IMPROVIDO.
1. É aplicável aos
servidores públicos civis o regime dos trabalhadores privados
previsto na Lei n.º 7.783/89, desde que atendidas as
peculiaridades do serviço público, especialmente das
atividades de certas categorias que o compõem, relacionadas à
manutenção da ordem, da segurança e da saúde
públicas, bem como das atividades indelegáveis que integram
as chamadas carreiras de Estado.
2. Indiscutível que os
professores da rede pública em questão paralisaram as
suas atividades reivindicando melhorias salariais, como
titulares do direito de greve.
Contudo, no exercício da
proporcionalidade, em se tratando de atividade
essencial, impõe-se a mitigação do exercício absoluto do
direito de greve, mormente sobrelevando-se os
princípios da supremacia do interesse público e da continuidade
dos serviços, a fim de que as necessidades da
coletividade sejam efetivamente garantidas de modo a
assegurar o funcionamento minimamente razoável dos serviços. Inobstante, o
pleito de majoração do percentual de retorno dos professores às atividades para
75% (setenta e cinco por cento) desnaturaria o movimento.
3. Assim, não se vislumbra
a hipótese de reconsideração do julgado, máxime por inexistir qualquer fato
novo relevante e capaz de ensejar a revisão do entendimento anteriormente
exarado.
4. Agravo conhecido e
improvido.
(AGRAVO REGIMENTAL N.º
0016256-52.2013.805.0000.
REL. DESA. ROSITA
FALCÃO DE ALMEIDA MAIA.
DATA DO
JULGAMENTO 25/10/13)
Pode-se afirmar, portanto,
segundo entendimento jurisprudencial corrente, que havendo discussão jurídica
acerca do direito de greve dos servidores públicos em educação, é salutar a
medida judicial tendente a regular o seu exercício, sob pena de se frustrar,
pelo menos em parte, o direito de fundo discutido, relativo à educação.
Desse modo, DEFIRO
PARCIALMENTE A TUTELA
ANTECIPADA REQUERIDA,
determinando o imediato retorno à sala de aula de 50% (cinquenta por cento) dos
professores lotados em cada estabelecimento de ensino público de educação
infantil, fundamental e médio do Município de Capim Grosso, sob pena de
pagamento de multa diária de R$ 20.000,00 (vinte mil reais). Dê-se ciência da
decisão ao requerente, intimando, ainda, o réu, para dar cumprimento imediato
dessa ordem judicial, citando-o, para oferecer resposta, no prazo de 15
(quinze) dias.
Publique-se. Cumpra-se.
Salvador, 28
de novembro de 2013.
Des.ª Ilona
Márcia Reis
Relatora |