Primeiro
dia de aula em uma turma do curso de psicologia da Universidade Tiradentes, em
Aracaju (SE), uma professora se apresenta e começa a contar uma história para
os alunos sobre uma criança que morava na rua. Quase todos na sala se emocionam
e ela finaliza com "a menina da história sou eu”. O relato ouvido por
esses alunos na última terça-feira (20) foi feito pela professora Marta Barreto
de Souza, 44, ex-moradora de rua que aos dois anos de idade foi encontrada por
um jovem enquanto mendigava. Hoje, formada em serviço social e psicologia,
leciona em três cursos universitários e está concluindo um mestrado em
educação. A vida de Marta começou a mudar quando foi encontrada por Miguel
José de Souza. O jovem de 17 anos foi fazer compras no mercado municipal de
Aracaju quando presenciou uma cena chocante. Uma senhora sentada, aparentemente
dormindo, tinha um recém-nascido ao lado e uma criança, com aproximadamente
dois anos e meio, brincando na lama. "Eu brincava na lama, mas ele não
conseguia entender porque essa criança continuava rindo o tempo todo e isso
chamou a atenção dele, como ele mesmo me contou depois”, lembra a professora.
Miguel
se aproximou e perguntou se a menina estava com fome e comprou para ela um
picolé. Após um período de conversa com a criança, o jovem se deu conta
que a mulher estava morta. Uma outra mulher ao perceber algo estranho se
aproximou e disse para Miguel: "se você levar a menina eu levo o menino
(recém-nascido)”, teria dito. A partir deste momento, a professora nunca mais
viu seu irmão ou irmã. Decidido a salvar a vida da criança, Miguel levou a
menina para casa. Mas quando precisou servir no Exército, sua mãe, que já
criava nove filhos, deixou a menina com uma vizinha. O tempo na nova moradia
foi curto, a vizinha perdeu o marido e resolveu voltar para o Rio de Janeiro e
deixou Marta em um orfanato. Enquanto morava no orfanato, Marta fez curso
técnico de enfermagem, que a ajudou a conseguir um emprego que custeou a
primeira formação de nível superior. "Trabalhava e custeava a faculdade de
Serviço Social”, lembra. Marta não parou mais, em seguida fez duas
especializações e depois fez o curso de psicologia e está concluindo o mestrado
em educação.
"Eu
não via nada como barreira. Você não pode se tratar como coitadinha (por morar
em um orfanato). Eu via isso como uma possibilidade de crescimento. Eu tive
muita dificuldade dentro da universidade. A minha superação era de que eu
precisava está, no mínimo, dentro da média. Eu estava aquém da média então
comecei a devorar os livros”, destacou. Do orfanato, a professora carrega
com ela o sentimento de igualdade e o ensinamento que todos tem que fazer parte
de suas próprias mudanças. Ao longo de oito anos, Miguel deixou o
Exército, mas teria perdido o contato com a criança que ele ajudou. "A
informação passada pela mãe dele é que a vizinha teria me levado para o Rio de
Janeiro. Nunca dizia onde realmente eu estava”, ressaltou a professora.
Determinado, a encontrar sua "filha”, Miguel conseguiu reencontrá-la oito anos
depois quando a mesma tinha 12 anos, porém a receptividade não foi a que ele
esperava. "Conversou comigo e acabei rejeitando ele inicialmente, porque até
então não lembrava dele”, disse a professora. O rapaz foi embora e um novo
reencontro aconteceu há cerca de oito anos.
Para
surpresa dela, no primeiro dia das crianças que passaram juntos, Miguel lhe
entregou a nova certidão de nascimento, na qual constava como pai Miguel José
de Souza. Além disso "ganhou” mais quatro irmãos. Marta disse que gostaria
de saber qual o destino que levou seu irmão ou irmã, que até já tentou
descobrir sem êxito. Em alguns lampejos da memória, a professora diz recordar
apenas que "colocavam moedas em minhas mãos e eu achava engraçado. São
lembranças muito vagas. Não sei de onde realmente eu vim. As melhores
lembranças que eu tenho é do orfanato”, disse ela. Há três anos Marta
aguarda na lista de espera para adotar uma criança e como se tornou uma rotina
na vida dela, um sonho não tão distante buscar um doutorado. "A vida é difícil
para qualquer pessoa. Fui forte e tentei sempre sem desistir”, encerrou a
conversa, com o sorriso no rosto. Fonte: Trubina do Ceara |